quarta-feira, outubro 21, 2009

CELSO MING

O tamanho do estrago


O Estado de S. Paulo - 21/10/2009
Aconteceu o que se imaginava: o dólar teve um alívio de 1,9% no câmbio interno; a Bolsa levou uma trombada de 2,9%; e o ministro Guido Mantega deve estar um tanto desapontado, porque pretendia um efeito mais forte com a nova taxação das aplicações feitas por estrangeiros em renda fixa e em ações.

O impacto mais visível foi a transferência de negócios da Bolsa brasileira para a de Nova York. As ações da BM&FBovespa chegaram a cair 13,5% e fecharam 8,4% abaixo do nível da véspera porque o governo Lula fez o favor de transferir emolumentos (portanto, renda) para os americanos, que agradecem.

Mantega avisou ontem que um dos objetivos da taxação dos capitais era perfurar a bolha da Bolsa daqui. Se foi isso, vai se frustrar, pois eventuais bolhas com ações de empresas brasileiras serão formadas em Nova York e não mais em São Paulo. Afora isso, desde ontem o mercado financeiro já sabe como fazer para contornar o posto do pedágio.

O objetivo principal, ou seja, a desvalorização consistente do real (alta do dólar), vai depender de muito mais. Essa taxação é como fechar a torneira em tempo de enchente: pouca diferença vai fazer. Logo a valorização do real será retomada e a única desculpa que o ministro poderá apresentar será: "Se não tivéssemos tomado essa providência, o dólar teria afundado muito mais."

A maior parte do capital não vem nem para o mercado de ações nem para as carteiras de renda fixa. Vem para os investimentos de longo prazo, para o pré-sal, para a Copa, para a Olimpíada, para o trem-bala (se sair), para os ativos fixos - e não leva o pedágio de 2%. Mas inevitavelmente puxará o dólar para baixo. Há alguns meses, Mantega fazia lobby para convencer as agências de qualificação de risco a despacharem o certificado de investment grade para o Brasil. Com isso, argumentava ele, o País receberia mais capitais a custo mais baixo. Agora parece arrependido do que fez e vê a inundação de dólares como maldição.

Mas essa não é a única inconsistência da decisão tomada pelo governo. A maior delas é a de que, se for mesmo para segurar o dólar, então é preciso ir mais fundo. O problema do Brasil se chama baixo nível de poupança (de apenas 16% ou 17% do PIB, enquanto o da China é de 44%). Se a poupança nacional é insuficiente, a solução é importar capitais. E importar capitais dá nisso aí: valorização, às vezes excessiva, da moeda nacional.

Para ser mais consistente na condução da política cambial, num regime flutuante, o governo teria de reduzir drasticamente suas despesas e formar sobras de arrecadação (superávits primários) para garantir o investimento e, assim, poder dispensar capitais externos. Mas a opção do governo foi gastar mais, mesmo diante da forte redução da arrecadação. Assim, não há recursos para financiar obras de infraestrutura; não há disposição para derrubar a carga tributária; e nada de sério se faz para reduzir o custo Brasil, que é o principal fator que tira competitividade da empresa - e não o câmbio.

Duas observações-perguntas: (1) Será que entre os principais objetivos da cobrança do IOF não está o de aumentar a arrecadação? (2) Por que o Banco Central ficou de fora dessas decisões?

Confira
Lá e cá - A partir de julho, o volume de negócios com ações de empresas brasileiras em Nova York ficou ligeiramente mais baixo que o da Bolsa brasileira. A partir da cobrança do IOF, a diferença voltará a se inverter.

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