terça-feira, outubro 06, 2009

CELSO MING

O jogo deles

O ESTADO DE SÃO PAULO - 06/10/09



O diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, está propondo que os países emergentes deixem de formar reservas externas (veja o Confira) e, em vez disso, contribuam para uma espécie de caixa comum administrado pelo próprio Fundo, para que possam a ele recorrer em caso de necessidade.

O FMI partiu do princípio de que terá de agir não só para mudar o jogo no mundo, mas, também, para sobreviver.

Até agora, os emergentes atuaram como grandes fornecedores dos Estados Unidos. Essa situação permitia que fizessem enormes reservas externas, que foram aplicadas em títulos do Tesouro americano. Na prática, os países emergentes, especialmente a China, estão financiando o consumo dos Estados Unidos que, por sua vez, importam produtos industrializados e também commodities (petróleo) deles.

Esse arranjo global produziu distorções. A maior delas foi a criação nos Estados Unidos de dois megadéficits: o orçamentário, que neste ano vai para US$ 1,8 trilhão; e o comercial, em torno de US$ 800 bilhões anuais.

O Fundo se propôs a desmontar esse mecanismo. Por isso, já prevê que os americanos terão não só de importar menos, mas, também, de voltar a exportar, o que significa que os emergentes terão de importar mais dos americanos. Como isso vai mexer com o esquema que permite a formação de reservas e, portanto, com a capacidade de resistir a crises, a ideia do FMI é centralizar a operação. Em vez de cada um ter seu próprio corpo de bombeiros, o FMI se encarregaria de montar, com recursos de todos, um sistema de ataque ao fogo que ficasse disponível para quem precisasse.

O ministro Guido Mantega observa que não adianta contribuir para o pool de reservas se o Fundo continuar a fazer exigências draconianas para liberar os recursos. Mas as objeções à proposta do FMI são mais amplas.

Os emergentes, entre os quais China, Brasil, Índia e Rússia, não amontoam reservas só para se proteger das crises. Nem a China precisa desses US$ 2 trilhões nem o Brasil precisa de US$ 230 bilhões para se prevenir contra um tsunami econômico.

A China vem fazendo reservas para continuar financiando o consumo nos Estados Unidos. E o Brasil vem, sim, formando as suas para blindar a economia contra crises, mas não só para isso. Também o faz para impedir a forte valorização do real.

Outros países superavitários no comércio, como Chile, Arábia Saudita, Cingapura e Noruega, têm usado suas reservas para formar fundos soberanos cuja função é investir no exterior, seja para dar cobertura às despesas públicas em tempos de vacas magras, seja para apoiar investimentos externos de suas empresas.

Pela forma como estão sendo formatadas as propostas, o FMI parece menos empenhado em contra-atacar os males econômicos do mundo do que em resolver dois problemas: o dos Estados Unidos, que pouco fazem para sanear seus dois megadéficits, e o do próprio FMI, que perdeu relevância e tenta mudar suas funções para sobreviver.

Isso parece pouco para os administradores do Fundo. Eles querem se tornar uma espécie de banco central global que se encarregue não só de ser emprestador de última instância para governos, mas também de ser uma espécie de supervisor-geral do sistema financeiro global.

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