segunda-feira, outubro 12, 2009

CARLOS ALBERTO SARDENBERG

E agora? Está sobrando dólar

O ESTADO DE SÃO PAULO - 12/10/09


Foi a semana do dólar. A cotação caiu para R$ 1,73 e trouxe de volta a inquietação com o que seria a excessiva valorização do real. E agora, o que fazer, sobretudo quando se considera que há muitas oportunidades de investimentos no Brasil que necessariamente atrairão mais dólares?

Há uma linha de economistas e empresários que não tem dúvidas: é preciso desvalorizar o real para salvar a indústria brasileira. Explicando: um real desvalorizado (ou um dólar mais caro, seu reverso) encarece as importações e barateia os produtos de exportação.

Mas olhem aqui ao lado, para a Argentina. Há muito tempo o governo lá mantém o peso desvalorizado (na casa dos três por dólar), com esse objetivo de salvar a competitividade da indústria. Mas, com essa proteção toda, não consegue competir com a indústria brasileira. Tanto que, além do dólar caro, o governo argentino vive colocando impostos, taxas e outras barreiras para encarecer ainda mais os produtos brasileiros.

A economia argentina não é competitiva por outros motivos: infraestrutura precária, há anos sem investimentos, dadas as restrições colocadas pelo governo (tarifas congeladas, imposto pesado, confiscos); tecnologia atrasada por falta de máquinas novas; falta de financiamento; e péssimo ambiente de negócios.

O que a história recente da Argentina mostra é como a moeda desvalorizada é um instrumento de segunda para uma economia de terceira.

Aqui, para melhorar a vida do exportador, há muita coisa por fazer: portos mais eficientes barateiam a exportação; idem para estradas e aeroportos; se o governo não cobrasse imposto dos exportadores e se devolvesse os impostos cobrados indevidamente, também tornaria as exportações mais competitivas. Uma boa redução da carga tributária também tornaria toda a economia brasileira mais eficiente.

O problema, dizem alguns analistas e empresários, é que isso tudo exige reformas de difícil implementação. Assim, o dólar caro seria a única proteção possível, uma compensação para a ineficiência geral da economia.

Mas ir por esse caminho significa simplesmente desistir de fazer do Brasil uma economia de ponta. No tempo da inflação alta e crônica, dizia-se que a correção monetária era um instrumento de primeira para uma economia de segunda. A moeda local desvalorizada não é instrumento de primeira, é de segunda. E também se dizia que a inflação era "natural" no Brasil, que era melhor aprender a conviver com ela.

Essa mentalidade nos trouxe anos de atraso. Pretender compensar o custo Brasil com um dólar caro é a mesma atitude. Só nos deixará atrasos. Olhem para a Argentina, que, além de tudo, tem de roubar nos índices de inflação.

Com dólar - Com estabilidade macroeconômica, o Brasil é um "paisão" de US$ 1,5 trilhão, entre as dez maiores economias do mundo - e tem renda média, o que representa um expressivo mercado interno. São raros os países de 3 milhões de carros/ano e 150 milhões de celulares.

Só isso já atrai negócios e investimentos. É bom que seja assim. Excesso de dólar deveria ser um doce problema, especialmente quando comparado aos momentos anteriores, em que a falta de dólares levava a sucessivas crises no balanço de pagamentos.

O País deveria se preparar para este período de real valorizado e tentar saltar para o primeiro time com ganhos legítimos de eficiência e produtividade. Isso inclui um governo menor, que tome menos dinheiro das empresas e das pessoas.

Como dizem os economistas, a política fiscal precisa ser forte (com a contenção do gasto público e a redução do endividamento) para que a política monetária possa ser frouxa (com juros menores).

A queda do dólar - A moeda americana está desvalorizada no mundo todo. Entre os países importantes, a desvalorização é mais forte no Brasil. Desde o início do ano, o real tem uma valorização pouco acima de 30%.

Mas o dólar australiano está logo ali, com uma valorização de 29%. E pelos mesmos motivos que o Brasil: saiu rápido da crise, recebe investimentos estrangeiros, exporta commodities.

Também têm moedas com forte valorização na África do Sul, Noruega e por aí vai.

O fim do dólar - É generalizada a especulação: será o declínio final do dólar? Na era do capitalismo o dólar é, por assim dizer, a segunda moeda global. A primeira foi a libra esterlina, que perdeu espaço com a decadência do Império Britânico. Ou seja, o dólar será eliminado como a moeda universal se e quando a economia americana estiver em declínio. Para muitos, esse processo já se iniciou e é irreversível, embora demore muito para chegar ao final. O final será a emergência de outra ou outras potências dominantes e outra ou outras moedas.

Quais seriam? A chinesa?

Que tal? Sair da influência americana para a chinesa?

A conta - O governo federal aumentou todos os seus gastos neste ano. Podem olhar os relatórios mensais do Tesouro. Subiram os gastos com pessoal, Previdência, custeio e capital, os quatro itens de despesa.

O governo também foi generoso com os prefeitos, por exemplo, que continuaram gastando neste ano, mesmo com a queda das receitas. Foram, então, passar o pires em Brasília. E levaram, inclusive com cerimônia política de liberação.

O único item em que o governo fez uma economia significativa foi na devolução do Imposto de Renda cobrado a mais. Atrasar a restituição foi a única política de contenção feita pelo governo. Por isso, não faz sentido a justificativa dada por Lula e Mantega, segundo os quais atrasar a restituição é normal num período de queda da arrecadação. Seria, se o governo tivesse aplicado uma política de contenção generalizada.

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