terça-feira, outubro 27, 2009

AUGUSTO NUNES

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Sarney precisa saber que o abandono do local do crime não inocenta o criminoso

27 de outubro de 2009

O Brasil precisa reaprender a contar o caso como o caso foi, usar a palavra justa no lugar do eufemismo malandro e enxergar as coisas como as coisas são. Onde parece haver a Fundação José Sarney existe a fachada de uma organização envolvida em incontáveis bandalheiras. O que se apresenta como “impossibilidade de funcionamento” tem cara de queima de arquivo. Segundo o chefe do grupo, ”os doadores suspenderam suas contribuições pela exposição com que a instituição passou a ser tratada por uma parte da mídia”. Conversa de 171. Os parceiros fugiram antes que o camburão estacione no outro lado da rua.

Em junho, a pedido do Ministério Público Federal, a Justiça determinou a devolução ao governo maranhense do Convento das Mercês, expropriado ilegalmente e reduzido a refúgio de pecadores pela ”Madre Superiora”, alcunha que identifica Sarney nas suspeitíssimas conversas por telefone entre o filho Fernando e comparsas de alta patente, gravadas pela Polícia Federal. Em julho, foram reprovadas as contas relativas às movimentações financeiras de 2003 a 2007 e o Ministério Público do Maranhão decidiu intervir.

A Fundação vive de esmolas porque sempre fez questão de manter distância dos cofres públicos, atreveu-se a fantasiar a Madre Superiora sem chances no Dia do Juízo Final. É muito cinismo. Sobram provas materiais de que os diretores da Fundação desviaram fatias consideráveis de boladas extorquidas do governo estadual, do Ministério da Cultura, da Petrobras e da Eletrobras, fora o resto. Acumulam-se documentos que confirmam a chegada de quantias milionárias originárias de empresas fantasmas plantadas em paraísos fiscais no exterior por amigos de Sarney. Pouco importa se a Fundação vai encerrar ou não suas atividades. O abandono do local do crime não encerra o caso, não revoga a delinquência, nem inocenta o culpado.

Mais de nove meses depois dos primeiros achados nas catacumbas do Senado, José Sarney continua na presidência da Casa do Espanto, Pedro Simon desistiu de convencê-lo a largar o osso, Artur Virgílio já não acha intolerável a presença do chefão no centro da Mesa, Álvaro Dias não tem mais nada a investigar, Eduardo Suplicy trocou o cartão vermelho de juiz do Sarney pela cueca vermelha do Super-Homem, Aloízio Mercadante coleciona rendições em outras frentes, Romero Jucá e Renan Calheiros vão comemorar o reveillon em liberdade. A turma do pântano atravessou impune mais um ano. A oposição não se opõe. O Estadão continua sob censura.

Mas nenhum dos muitos crimes comprovados prescreveu. Os bandidos continuam bandidos, e o Brasil que presta tem o dever de seguir exigindo a punição dos fora-da-lei: a alternativa para a resistência é a capitulação. A dedetização judicial da Fundação deve ser só o começo do trabalho de saneamento moral. A ramificação mais lucrativa prospera longe do Convento das Mercês. Baseia-se no Ministério de Minas e Energia, chefiado pelo cúmplice Edison Lobão. O braço da Justiça deve ser estendido aos porões do Senado, do Judiciário e do ministério controlado por candidatos a um banco dos réus. Se tudo der em nada, o Judiciário terá institucionalizado a absolvição prévia dos pecadores da primeira classe.

A bandidagem federal esbanja autoconfiança por confundir maioria com unanimidade. Tratemos de lembrar-lhe todo o tempo que a espécie dos brasileiros honestos não foi extinta.

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