quarta-feira, outubro 28, 2009

ALEXANDRE SCHWARTSMAN

E só Carolina não viu


Folha de S. Paulo - 28/10/2009


Hoje, para acompanhar economistas presos no túnel do tempo, não preciso sequer ligar a TV


SEMPRE GOSTEI de filmes que envolvam viagem no tempo, quase tanto quanto de qualquer um que mostre uma nave espacial. Resquício do "Túnel do Tempo", série que acompanhava dois cientistas perdidos no tempo. Hoje, porém, para acompanhar economistas presos nesse labirinto, não preciso sequer ligar a TV.
A começar pela abordagem à economia. Ao contrário dos economistas mais caretas, muito presos a convenções como lógica, modelagem de suas teses e teste delas contra a evidência empírica, os aventureiros do tempo preferem um abordagem mais aberta, mais solta, assim, um lance de pele... Afinal, o domínio econômico é, tipo, um ente orgânico, vivo, em constante evolução, porque as pessoas são, assim, complexas e multifacetadas, que às vezes fazem coisas de um jeito, às vezes de outro, às vezes não fazem e chegam mesmo a fazer demais. E aí, cara, pode acontecer de tudo... Ou não.
Para usar um exemplo à mão, qual seria o efeito de um aperto (verdadeiro) da política fiscal sobre a taxa de câmbio? Segundo os perdidos no tempo, qualquer coisa. Afinal de contas, argumentam, uma política fiscal mais apertada poderia reduzir a percepção de risco do país, elevando o influxo de capitais, o que faria a taxa de câmbio se desviar ainda mais de seu valor de equilíbrio.
Como esse pessoal acredita na doença holandesa, não é possível descartar, a priori, o uso de substâncias liberadas naquele país para chegar a uma conclusão tão orgânica, viva e em constante evolução. Em primeiro lugar, pela insistência na suposição de que a taxa de equilíbrio seja uma grandeza fixa (cujo valor exato, não duvidem, os aventureiros conhecem até a quinta casa). Não me escapa a ironia de os perdidos no tempo, tão ciosos dos seus lances de pele, não considerarem a possibilidade de a taxa de câmbio de equilíbrio se alterar em resposta a variáveis como termos de troca ou a própria avaliação de risco de solvência.
Vale dizer, caso a melhora de política fiscal reduza a percepção de risco e, por meio desta, leve à apreciação de câmbio, não se trata mais de desvio com relação ao câmbio de equilíbrio, mas alteração deste último como resposta à melhora dos fundamentos da economia. Aliás, é bom que assim o seja. De outra forma, o corolário do "argumento" acima é que -para desvalorizar o câmbio- o país deveria promover uma deterioração significativa de sua política econômica (que tal uma guerra civil? Com certeza implicaria câmbio mais depreciado).
Falhas lógicas à parte (que lance mais careta), resta a questão empírica. Parece razoável imaginar que uma política fiscal mais apertada diminua a percepção de risco, mas, sem que se meça (mais careta ainda) esse impacto, a afirmação não tem grande conteúdo para fins de análise econômica.
Considere, contudo, o seguinte. Hoje, o risco Brasil para um período de 12 meses equivale a uma acréscimo de cerca de 0,65% ao ano sobre a taxa de juros americana para o mesmo horizonte. O Chile, paradigma de caretice econômica no continente, apresenta risco-país da ordem de 0,17% ao ano. Se, num laivo de imaginação, a política fiscal brasileira se igualasse à chilena, poderíamos reduzir nosso risco em... 0,48% ao ano! Mesmo no caso mais otimista, o efeito seria, grosso modo, equivalente a uma queda de 0,5 ponto percentual da taxa de juros. Enorme, não?
Curiosamente, tal efeito seria relevante quando o risco de insolvência era alto, mas, caso alguns não tenham percebido, já superamos essa fase. O tempo passou na janela, e só Carolina (que se considera tão atenta à história) não viu.

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