quarta-feira, setembro 23, 2009

VINÍCIUS TORRES FREIRE

Prefácio a um Belo Monte de rolos

FOLHA DE SÃO PAULO - 23/09/09


Governo pode ficar com quase metade da segunda maior hidrelétrica do país, que deve ir a leilão neste ano

O GOVERNO pode ficar com metade da segunda maior hidrelétrica do país, Belo Monte, que, no entanto, deveria ser um negócio privado. Mas a distorção não pode ser colocada na conta do governo, ou não apenas. Trata-se mais de uma parceria público-privada informal: na confusão dos consórcios e no lobby privado de preços. A usina será leiloada, talvez em outubro ou novembro, se o Ministério Público Federal no Pará não interromper o processo. Deve começar a funcionar em 2014. Foi Edison Lobão, ministro de Minas e Energia, que anunciou ontem, num seminário em São Paulo, que o governo terá participação de mais de 40% e até 49% no capital da hidrelétrica a ser construída no rio Xingu, no Pará, perto de Altamira.
Mas nada está acertado ainda sobre Belo Monte (nas usinas do rio Madeira, Jirau e Santo Antônio, a indefinição perdurou até os dias anteriores à licitação, em 2007). Entenda-se a ressalva: todas as decisões sobre o setor elétrico são tomadas na Casa Civil, da ministra Dilma Rousseff. Como a ministra está "meio fora", com muitas tarefas, ministrando o pré-sal, adoentada e em campanha, a "ministra-chefe" de Belo Monte é Erenice Guerra, a sub de Dilma.
As subsidiárias da estatal Eletrobrás vão participar de algum modo no negócio, num consórcio com empresas privadas que disputarão o leilão, ou se associando, depois, aos vencedores, mais ou menos como se previa e em parte ocorreu no caso das usinas do Madeira. Nas internas, o governo acusa empreiteiras e empresas do setor elétrico de tentarem formar um "cartel", termo técnico erroneamente utilizado mas expressivo para definir uma associação de empresas privadas para jogar para o alto o preço da usina.
A disparidade entre as estimativas de custo privadas e da estatal Empresa de Pesquisa Energética (EPE) desta vez é brutal. Para a EPE, a usina custaria R$ 16 bilhões, sem o custo financeiro. No setor privado, se ouve de tudo, de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões. No governo, se diz que o custo médio da energia será menor que os R$ 79 MWh do rio Madeira; no setor privado, diz-se que um preço "competitivo" (para as empresas donas do negócio), seria pelo menos 50% maior.
Argumentam que, apesar de representar 10% da potência instalada hoje no país, cerca de 11 mil MW, a "energia assegurada" de Belo Monte será semelhante à das usinas do Madeira (com 6.000 MW instalados). Mas como não se sabe quanto da energia de Belo Monte deverá ser destinada aos mercados livre e cativo, sobre financiamento, dinheiro do BNDES e tamanho da participação das subsidiárias da Eletrobras (Furnas, Eletrosul, Chesf), toda especulação sobre custos e preços competitivos é especulativa.
O preço limite para a energia destinada ao mercado cativo era de R$ 122 por MWh para quem se dispunha a ficar com a usina de Santo Antônio, no Madeira, leiloada em 2007; empresas privadas diziam que era "loucura" oferecer menos de R$ 100. Os vencedores ofereceram R$ 78,87 (o mercado regulado "cativo" somos nós, consumidores residenciais, e empresas que não negociam seus contratos no mercado livre).
O edital do leilão ainda não saiu. Por ora, as histórias de preços e sociedades estão bem mal contadas.

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