terça-feira, setembro 01, 2009

VINÍCIUS TORRES FREIRE

Lula inaugura a desprivatização


Folha de S. Paulo - 01/09/2009



Governo premia a Petrobras na festa chocha e confusa do pré-sal e não explica negocião da capitalização da petroleira


ALÉM DA politiquice, da imprecisão e de desrespeito em geral pelo público ainda desinformado, a festa do pré-sal foi turvada pelo fato de um notório senador do notório PMDB ter dado o tom da divulgação do que será feito da Petrobras e do dinheiro público que comprará ações da empresa.
Como a exploração do pré-sal será em boa parte estatizada, com grande participação da Petrobras, o capital da empresa vai crescer: a empresa vai emitir mais ações. Romero Jucá, líder do governo no Senado, disse ontem cedo que o governo vai comprar o equivalente a até US$ 50 bilhões em ações da Petrobras, aquisição que seria quitada com barris de petróleo (a US$ 10 cada) do pré-sal. A Petrobras enviou fato relevante à CVM (publicado às 11h04) e à Bovespa (11h18), sem relevar valores. Jucá falou e as ações caíram. Para início de conversa, Jucá não pode dar tal tipo de informação, pois afeta preços na Bolsa. Dá para fazer e perder dinheiro com tais dados.
Mais tarde, Dilma Rousseff também falou em US$ 10 por barril. Mas a confusão continua. Petrobras e governo dizem que o preço dos barril será avaliado de "forma independente"; dentro de dois anos, pode ser revisto. Mas por que US$ 10? Hoje em dia, há chutes de que o barril no incógnito pré-sal valeria de US$ 5 a US$ 12. O preço, porém, varia no tempo, não só devido a mudanças no mercado, de custos de produção e de financiamento etc., mas porque US$ 10 na mão, hoje, valem mais do que hipotéticos US$ 10 daqui a "n" anos.
É preciso atualizar financeiramente os valores, com o emprego de fatores por vezes controversos. O governo, parece, vai emitir dívida para comprar as ações da Petrobras. Isto é, vai se endividar a fim de antecipar a receita que teria com a venda dos barris, aqueles com os quais vai comprar as ações da petroleira. Quando e se vierem os barris do pré-sal, a dívida será paga. Mas o preço do barril pode ser superfaturado (o governo ficaria então com ações demais, os demais acionistas tendendo a perder).
Ou o barril pode valer pouco (o governo ficaria com dívida). De um modo ou outro, pode haver transferência de riqueza para o governo ou do governo (nós). Há mais complicações. Os blocos do pré-sal que podem ser entregues à Petrobras são vizinhos a áreas já licitadas (em que são sócios empresas privadas, múltis). Para entregá-los à Petrobras, é preciso saber se as áreas não são uma reserva só, o que leva tempo e não é simples de fazer.
Dizia-se ontem que uma empresa privada (OGX, de Eike Batista) vendeu ações com base na promessa de entregar petróleo. Problema dele e de quem comprou ações da OGX: houve uma venda pública de ações e o mercado achou um preço. Agora, o preço será meio "tabelado", e o governo (nós) vai pagar a compra. Isso importa porque a Petrobras é, por ora, a vencedora do pré-sal. Porque a empresa tem acionistas privados. Porque a Petrobras precisa de muito dinheiro para investir no pré-sal, dinheiro que pode vir do governo (nós). Porque a estatal pode investir demais e baixar sua rentabilidade -por decisão política, a Petrobras pode investir em áreas do pré-sal que, talvez, sejam menos rentáveis do que outros campos.
O rolo ainda é grande. E falamos apenas de Petrobras. Há bem mais.

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