segunda-feira, setembro 14, 2009

RUY CASTRO

Estar com a macaca

FOLHA DE SÃO PAULO - 14/09/09

RIO DE JANEIRO - Gesto impensado, discussão acalorada, disputa acirrada. Falha clamorosa, escoriações generalizadas, gargalhadas estrepitosas. Rota de colisão, mistura explosiva, ruído ensurdecedor. Já reparou como uma palavra puxa a outra? E nada de confiar nos firmes propósitos, nas enérgicas providências e nas opiniões abalizadas -a impunidade campeia, os prognósticos são sombrios e o panorama, desolador.
Não falta quem engula em seco, exerça uma fidelidade canina ou goze merecidas férias. Outros lançam mão de expedientes escusos, apostam todas as fichas e se expõem à execração pública. Com sorte, envolvem-se em espessa penumbra, aguentam o repuxo e são relegados ao esquecimento. E o que dizer dos que envidam esforços, agregam valor e logram seu intento? São os dignos de encômios, os que deixam marcas indeléveis e desfrutam de merecida estima.
À primeira espiada em "O Pai dos Burros - Dicionário de Lugares-Comuns e Frases-Feitas", tem-se a impressão de que o autor, Humberto Werneck, levou o léxico inteiro ao pelourinho. São cerca de 6.000 expressões previsíveis e repetitivas que ele recomenda evitar. Mas, se comer mosca, bater o martelo ou abotoar o paletó são lugares-comuns, o que sobrou para escrever?
"Não é um index prohibitorum. É mais um abra-o-olho do que um não-pode", me diz Humberto -um chamado a que jornalistas, escritores e outros bichos tentem manter a língua sedutora e eficiente. Nesse caso, estou com ele: quem pensa ou escreve com frases-feitas não está pensando, nem escrevendo.
Mas confesso que tenho um chiquê por certas expressões que Werneck condena, como metrópole tentacular, trama diabólica e festim pantagruélico. E não vou abrir mão do estar com a macaca, fazer boca de siri e viver à tripa forra.

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