quinta-feira, setembro 24, 2009

ROLF KUNTZ

Os BCs e as bolhas assassinas

O Estado de S. Paulo - 24/09/2009


Será preciso reduzir o crescimento econômico para diminuir o risco de crises financeiras como a iniciada em 2007 e agravada a partir de setembro do ano passado? A pergunta ganha sentido com a recomendação do Fundo Monetário Internacional (FMI) aos bancos centrais (BCs): as autoridades monetárias deveriam calibrar sua política levando em conta não só as pressões inflacionárias, mas também os sinais de aquecimento em mercados de ativos como ações e imóveis. Um aperto monetário pode conter a formação de bolhas e, portanto, os estragos causados pelos estouros - "mesmo quando a inflação parece estar amplamente controlada", segundo trabalho de quatro economistas da instituição divulgado nesta semana.

Os bancos centrais dos Estados Unidos e de vários países desenvolvidos afrouxaram a política monetária nos anos anteriores ao estouro da bolha imobiliária. Deixaram o crédito crescer amplamente, nesse período, nos mercados nacionais e no mercado internacional. Segundo os autores do estudo, não se pode apontar essa política frouxa como causa principal da elevação dos preços dos imóveis e de outros ativos. Em alguns países, a habitação se valorizou mesmo num cenário de juros elevados. Mas essa ressalva não anula o recado principal: a expansão do crédito em vários mercados facilitou a formação das bolhas e, portanto, os condutores da política monetária deveriam ter dado maior atenção aos sinais de perigo.

Para identificar os sinais de alerta, os quatro economistas analisaram episódios de grande valorização de imóveis e de ações em 20 mercados entre 1970 e 2008. O ano de 1985 foi tomado como divisor desse amplo período, por marcar o início da "grande moderação", uma fase de menor instabilidade nas economias avançadas. Os episódios a partir de 1985 foram precedidos de alguns indícios importantes. Os autores destacam, nos casos de bolhas imobiliárias, um aumento acima do normal na relação entre o crédito e o Produto Interno Bruto (PIB), uma ampla deterioração da conta corrente do balanço de pagamentos e uma relação também anormal entre o investimento residencial e o PIB. O crescimento do produto não se afasta muito da tendência e - dado notável - a inflação, nos episódios estudados, foi inferior à média móvel dos oito anos anteriores. Ao afrouxar a política monetária, nesses períodos, os bancos centrais cumpriram sua missão básica, deixando os juros e o crédito ajustarem-se a um quadro de inflação baixa.

Nos episódios de grande valorização de ações, foram observados padrões similares de expansão de empréstimos e de aumento da proporção entre o investimento residencial e o PIB. Mas duas diferenças importantes foram notadas. Nas fases de aumento de preços das ações, o crescimento econômico tende a acelerar-se de forma significativa e a conta corrente do balanço de pagamentos não se deteriora como nos casos de formação das bolhas imobiliárias.

Feito o balanço, os autores apontam três importantes sinais para a previsão de problemas ligados à valorização de ativos: grandes aumentos do crédito e da relação entre o investimento residencial e o PIB e a piora do saldo da conta corrente. E quando as três variáveis fazem soar o alarme ao mesmo tempo? Resposta dos autores: em 56% dos casos houve uma explosão de preços de imóveis no intervalo de um a três anos à frente. O resultado é parecido no caso das bolhas de ações.

Esse estudo compõe o capítulo 3 do Panorama Econômico Mundial, divulgado em abril e outubro pelo FMI. O documento completo, com a análise conjuntural e as projeções para 2010, será distribuído na próxima semana, em Istambul, na assembleia anual. Mas as conclusões sobre o papel dos bancos centrais já estão disponíveis para discussão na cúpula do Grupo dos 20, hoje e amanhã, se os chefes de governo tiverem fôlego para isso.

Resta perguntar qual teria sido a reação de empresários, sindicalistas, políticos e especuladores, se os bancos centrais dos Estados Unidos e de outros grandes países tivessem elevado os juros quando os sinais de perigo se tornaram mais fortes. A complacência das autoridades monetárias pode ter facilitado o desastre, mas também contribuiu para um longo crescimento econômico. Além disso, faltou aplicar aos bancos comerciais padrões de segurança já acordados internacionalmente e pouquíssima atenção foi dada a bancos de investimento e instituições de crédito imobiliário. A regulação brasileira funcionou muito melhor.

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