quarta-feira, setembro 09, 2009

RODRIGO TERRA

Vai uma carteira de estudante aí?

FOLHA DE SÃO PAULO - 09/09/09



A solução que deveria atrair a atenção do Legislativo, por se sintonizar com a razão de ser da meia-entrada, é a vinculação etária

A COMPENSAÇÃO da desvantagem econômica de quem ainda não disputa o mercado de trabalho porque não concluiu a vida educacional é a verdadeira finalidade da meia-entrada. Ela fomenta o acesso igualitário à cultura e ao lazer e contribui para a formação de quem ainda não tem economia própria.
Para isso, agremiações estudantis e estabelecimentos escolares têm o poder de emitir a carteira de estudante, único documento previsto em lei para obrigar o exibidor a conceder desconto de 50% sobre o preço do ingresso.
Porém, hoje é comum o uso da carteira de estudante por quem não é estudante ou, pelo menos, já deveria ter superado a situação de desvantagem econômica que justifica o tratamento desigual. Assim, compromete percentuais irreais da bilheteria com descontos indevidos e aumenta a inteira.
A procura indiscriminada pelo documento tem levado à exigência da apresentação de comprovante de matrícula ou histórico escolar, caracterizando ato ilícito. No Rio, a Justiça determinou, em liminar com validade em todo o Brasil, que gigante das redes de cinema pagará multa caso insista na exigência.
Mas é inegável que a "farra da meia-entrada" banaliza o instituto de diversas formas. Recentemente, agremiações estudantis têm celebrado convênios com empresas privadas, transferindo-lhes o poder de emitir a carteira de estudante. Estas, por sua vez, usam como atrativo para as suas promoções o "brinde", sem se responsabilizarem pela comprovação da relação que deve haver entre o seu portador e o titular do direito.
Em alguns Estados tem sido aprovada a proibição legal dessa associação, mas não se tem notícia do seu efeito na diminuição percentual da meia-entrada na bilheteria. A disseminação do hábito já é tão vasta que até pela internet se consegue uma carteira de estudante fajuta, mesmo em nome de Bin Laden ou Mickey.
O apelo do acesso fácil pela metade do preço atrai a multidão. A situação tem mobilizado o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, provocando a reflexão e o debate acerca de soluções que preservem a finalidade do instituto, de inegável relevância sociocultural, e evitem que sua banalização seja pretexto para aumentar a inteira, violando o direito do consumidor de pagar apenas o que é devido.
A centralização da emissão da carteira de estudante pela Casa da Moeda e a reserva de percentual da bilheteria para a meia-entrada são medidas previstas em projetos de lei tramitando no Congresso Nacional.
Não há dúvida de que a adoção de um sistema centralizado e unificado de emissão do documento é imprescindível e urgente, pois padronizará a apresentação em todo o Brasil e dificultará sensivelmente a falsificação.
Já a reserva de percentual da bilheteria para a meia-entrada peca por não contribuir decisivamente para inibir sua utilização fraudulenta, sem impedir que quem chegue primeiro e apresente uma carteira falsa tome o lugar do estudante, mesmo diante da desvantagem econômica. Nesse ponto, perduraria o estímulo à obtenção indevida do benefício.
A alternativa que deveria atrair mais a atenção do Legislativo, por se sintonizar com a razão de ser da meia-entrada, ainda que suscite alguma polêmica, é a vinculação etária. Com a reserva apenas ao estudante que tenha até 24 anos do acesso às atividades mediante o pagamento de 50% do preço do ingresso, ficaria bem diminuída a margem de utilização fraudulenta. Essa solução decorreria da interpretação lógica do sistema, que, em outras situações, reconhece a necessidade de facilitar a formação escolar a quem já tendo atingido a maioridade ainda não ultrapassou aquela faixa etária.
É o caso do direito à pensão alimentícia, que, em geral, se extingue com a maioridade, mas é prorrogado, porém, se o alimentando, até 24 anos, ainda for estudante. Ou o direito de descontar da base de cálculo do Imposto de Renda despesas com quem já é maior, mas mantém a qualidade de dependente, desde que, até 24 anos, ainda não tenha concluído a sua formação escolar.
Vinculando a meia-entrada à idade do seu beneficiário, o desconto se aproximaria significativamente da sua finalidade de estimular a formação de quem ainda se prepara para disputar o mercado de trabalho, reduzindo muito a possibilidade de fraude.
A redução do percentual de meias-entradas na bilheteria abriria o caminho para que o exibidor redimensionasse o seu impacto no cálculo do preço médio do ingresso, que, correspondendo à expectativa do consumidor, o atrairia para as salas de exibição e estimularia atividades culturais de relevância inegável para o desenvolvimento de qualquer povo.

RODRIGO TERRA , 44, mestre em direitos humanos pela London School of Economics, é promotor de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro e presidente da Associação Nacional do
Ministério Público do Consumidor.

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