sábado, setembro 05, 2009

MIGUEL REALE JÚNIOR

Querer ou temer?

O ESTADO DE S. PAULO - 05/0909

O que levaria Lula e seus comandados a cerrar fileiras em torno de Sarney? Seria o interesse de garantir uma aliança eleitoral em 2010 ou a chamada "governabilidade"?

A vida partidária brasileira indica a pouca consistência das agremiações políticas. Terminada a ditadura getuliana, em 1945, formaram-se 13 partidos, dos quais três grandes. Dois destes foram constituídos de cima para baixo: o PTB e o PSD, ambos a serviço do getulismo, pois o PTB atraía a classe trabalhadora urbana e o PSD, os grotões e os líderes políticos do passado, muitos interventores no Estado Novo. Getúlio bem dizia que se elegia com o PTB para governar com o PSD.

Durante o regime militar, com o Ato Institucional nº 2, os 13 partidos existentes foram artificialmente reduzidos a dois, Arena e MDB, sendo necessário, em 1966, para acomodar as diversas alas que os compunham, criar a sublegenda, por meio da qual cada partido poderia ter três candidatos a prefeito e senador. Os antigos partidos sobreviviam em torno de lideranças locais, dentro dos dois partidos.

Em 1979, pretendeu o regime militar fragmentar a oposição, ao permitir a criação de novos partidos políticos, gerando o surgimento do PP de Tancredo Neves, do PDT de Brizola e do PT de Lula.

Em 1982 houve estrondosa vitória da oposição nos principais Estados, mas a eleição de Jânio Quadros em 1985 como prefeito de São Paulo, contra Fernando Henrique Cardoso, do PMDB, indicava a sobrevivência do populismo e a força do carisma.

O PDS, sucessor da Arena, desfez-se em 1986, com o surgimento da Aliança Democrática que elegeu Tancredo Neves. Criou-se, então, o PFL, com vários membros saídos do PDS. Em seguida veio a Constituinte, durante a qual não houve nenhuma sujeição programática dos parlamentares às linhas partidárias, já que os partidos não eram ideológicos, mas agremiações de variados interesses. Especialmente dentro do PMDB havia os maiores antagonismos em quaisquer das questões-chave, desde o sistema de governo ao tempo de mandato de Sarney na Presidência. Desde esse momento, os deputados passaram a ser menos de um partido que de uma região, como o Norte, o Nordeste, ou defensores de corporações: havia a bancada do Banco do Brasil, do Ministério Público, da Polícia Militar, da Petrobrás, os evangélicos, os ruralistas.

A eleição presidencial de 1989 foi a demonstração da nenhuma força eleitoral dos partidos ante o brilho dos carismas pessoais. O dr. Ulysses Guimarães garantia que o PMDB - o maior partido do País - o elegeria, pois, dizia, a qualquer recanto que chegasse haveria quem lhe carregasse a mala e montasse palanque. Ledo engano. Foram derrotados os candidatos dos maiores partidos, presenteados com votação pífia: Ulysses, do PMDB, e Aureliano Chaves, do PFL.

A vazia grife de Collor empolgou as massas descamisadas e os endinheirados, como candidato yuppie, sem partido, mas de atitude fortemente agressiva contra Sarney, que chegou a chamar de ladrão na campanha contra os "marajás". Ganhou o primeiro turno contra Lula, candidato de um partido então pequeno, mas de forte apelo popular, o metalúrgico que fazia contraponto ao moço bem nascido das Alagoas.

Destituído Collor, Itamar Franco herdou imenso processo inflacionário. Fernando Henrique assumira o Ministério da Fazenda com o desafio de debelar uma inflação galopante. Em 1º de maio de 1994, morte de Ayrton Senna, saiu pesquisa eleitoral que dava a Lula 41% das intenções de voto e apenas 19% a Fernando Henrique, agora no PSDB. O maior partido do Brasil continuava a ser o PMDB, que lançou como candidato Orestes Quércia.

Lula era tratado como virtual presidente eleito, mas o novo mito populista foi derrotado pela nova moeda, o real, lançada em 1º de julho. Rapidamente, Fernando Henrique foi subindo nas pesquisas para, em 9 de agosto, passar à ponta, com 36% dos votos, e em 19 de agosto ter a mesma previsão de Lula em 1º de maio: 41%. Elegeu-se no primeiro turno. Quércia, o candidato do maior partido, o PMDB, teve menos votos do que o teatral candidato dr. Enéas, membro de partido minúsculo.

Em 2002 José Serra fez todos os esforços possíveis para ter o PMDB de seu lado - a candidata a vice-presidente na sua chapa foi a deputada Rita Camata. De nada valeu o apoio institucional do PMDB. O certo não é o PMDB dar, por seus quadros, força eficiente ao candidato que oficialmente apoia. Se, segundo Renan Calheiros, o PSDB, com Tasso Jereissati, é minoria com complexo de maioria, pode-se dizer que ele, Calheiros, e o PMDB têm mania de ser maioria, em atitude de extrema coerência: ser sempre governo.

Portanto, o apoio do PMDB não pode constituir carta de seguro eleitoral. Não elege, como a História comprova, nem permanece em barco furado. A maioria parlamentar se consegue com favores, e não com fidelidade partidária, sendo o maior exemplo o expediente adotado pelo governo na captação de apoio com a mensalidade entregue em hotéis de Brasília. De outra parte, o esforço eleitoral só se dá com a perspectiva da vitória. Sem essa visualização é difícil a adesão efetiva. É triste a nossa realidade partidária. Se assim é, por que, então, Lula gasta tantos cartuchos no apoio a Sarney? Para garantir um aliado nas eleições de 2010? Difícil.

Seria para garantir a governabilidade? Mas qual governabilidade? Ora, o único perigo à vista é a CPI da Petrobrás, cujo relator é o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que dita o andar da carruagem. O PMDB, com maioria na comissão e um presidente obscuro, o suplente João Pedro (PT-AM), pode cozinhar a CPI ou fritar o governo. Depende de como Lula e o PT se comportarem. É essa a razão da vergonha a que se assiste no Senado e no governo Lula, a constranger novamente com cartas de amor um líder que não lidera mais nem a si próprio.

Lula não quer o PMDB, mas, sim, teme o PMDB.

Miguel Reale Júnior, advogado, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça

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