quarta-feira, setembro 02, 2009

ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Era uma vez (versão animê)


Folha de S. Paulo - 02/09/2009


Defender a qualquer custo o gigantismo estatal no Brasil é ignorar os fundamentos básicos de análise econômica


EM 2008 , o valor valor da produção doméstica cresceu cerca de R$ 140 bilhões, enquanto os impostos cresceram quase R$ 80 bilhões. Assim, embora a carga tributária tenha atingido já elevados 36% do PIB, a carga adicional superou incríveis 57%. Mesmo com níveis quase obscenos de tributação, ainda há quem defenda a bizarra tese de que graças à transferência à sociedade de parcela considerável daqueles recursos, a carga tributária líquida de transferências seria baixa, assim como seus efeitos sobre a economia. Um pequeno conto deve bastar para nos convencer do contrário.
Era uma vez uma economia muito simples: pessoas idênticas produziam (e consumiam) um único produto, feito apenas com trabalho. Tudo que recebiam como salário era consumido, ou seja, a decisão de quanto consumir era exatamente a mesma decisão de quanto trabalhar.
Assim, ainda que as pessoas pudessem ter outros interesses em mente, o custo de se consagrarem ao desenvolvimento do espírito corresponderia àquilo que deixariam de consumir. Em outras palavras, o custo de oportunidade do lazer era o consumo do qual abririam mão para usufruírem de tempo livre.
Certo dia, um novo ministro, egresso de um desenho animado japonês, decidiu criar um imposto sobre a renda, prometendo, contudo, sua devolução integral. Destarte, dizia o Pokémon, a carga tributária líquida seria nula, sem nenhum impacto sobre a economia. A partir daquele momento cada trabalhador passou a entregar metade do salário para o governo, recebendo montante equivalente sob a forma de transferências governamentais. Parecia um arranjo neutro.
No entanto, não era. Embora a renda total (salário líquido mais transferências) fosse a mesma, o custo de oportunidade do lazer caíra substancialmente. Se antes uma hora a mais de lazer significava a perda de uma hora de salário (digamos, R$ 100 por hora), sob o novo arranjo essa perda líquida era apenas de R$ 50 por hora. Dado isso, as pessoas fizeram o que normalmente fazem, ou seja, demandaram mais o que ficou mais barato (o lazer) e menos o que ficou mais caro (o consumo). Assim, passaram a trabalhar menos e, portanto, a produzir menos.
Poderia parecer irracional. Afinal, trabalhando menos, também a receita cairia, reduzindo as transferências. Cada indivíduo, porém, via a transferência como algo independente de seu esforço pessoal. Mesmo que houvesse a compreensão de que, do ponto de vista agregado, a redução do tempo de trabalho implicaria menores transferências, cada um tinha o incentivo para reduzir seu tempo de trabalho, na esperança de que os demais não o fizessem, pois usufruiria de mais tempo livre enquanto a transferência seria apenas marginalmente afetada por sua decisão. O resultado, mesmo com carga líquida zero, foi queda da produção, do emprego e do consumo.
Obviamente a economia brasileira é bem mais complexa do que essa fábula. Há pessoas diferentes, bens distintos e vários recursos contribuindo para a produção. Dito isso, a lógica do modelo ainda se aplica: se a tributação toma fração apreciável da renda, o estímulo à produção é reduzido, mesmo que os recursos voltem à sociedade, com efeito negativo sobre o crescimento de longo prazo.
Não se justifica, pois, a existência de uma carga tributária elevada com o argumento das transferências, dado que são os impostos brutos que reduzem os incentivos à expansão da economia. Essa tese, como tantas outras, serve apenas para defender a qualquer custo o gigantismo estatal no Brasil, ignorando os fundamentos básicos de análise econômica.

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