quarta-feira, agosto 26, 2009

RUY CASTRO

Errando no analógico


FOLHA DE SÃO PAULO - 26/08/09

Outro dia, uma amiga pediu licença e tirou o celular da bolsa. Manuseando-o com abismal intimidade, ouviu recados, pagou uma conta no banco, acertou um trabalho em São Paulo, abriu uma foto do namorado, “baixou” uma canção de Sinatra e ligou para casa para dar instruções à criadagem. Tudo isso em minutos, e vindo de uma pessoa que, até anteontem, não sabia nem como clicar o botão de “play” da vitrola.

Diante do meu pasmo por sua atualização tecnológica, ela me disse que usa o celular como computador, internet, câmera, vídeo, cinema, TV, filmadora, MP3, iPod, FM, videogame e, por fim, telefone. E não entende como já foi capaz de viver sem aquele treco que faz tudo, exceto tirar-lhe as cutículas.

Como sou dos três ou quatro no Brasil que não usam celular, até hoje preciso de máquinas específicas, ancoradas em consoles, cômodas ou escrivaninhas, para desfrutar de tais serviços. Algumas dessas máquinas ainda são equipadas com, pode crer, válvulas.

Outro dia, abrindo uma página na internet sem saber para onde ia, deparei com uma frase na tela: “Ruy Castro está no twitter”. Embora estivesse sozinho em casa, olhei em volta para ver se havia mais alguém ali com o meu nome. Não, não estou no twitter. E, sem me gabar ou me envergonhar, também não tenho site, blog, MSN, Facebook, Orkut, MySpace, Last.fm, Ning, Vimeo, Flickr, Tumblr ou rraurl. Estou para a blogosfera como o presidente Lula está para a fenomenologia de Husserl.

Sei bem que, acorrentado ao mundo analógico, posso logo me tornar inviável. Mas pretendo evoluir – sem cometer o recente erro do senador Mercadante. Entusiasta do twitter, ele prometeu algo no mundo digital que não cumpriu no mundo analógico. E deu-se mal, porque, na vida real, o analógico ainda é irreversível.

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