domingo, agosto 02, 2009

LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

Houve uma época

O GLOBO 02/08/09

Um dia falaremos do tempo em que se revelava fotos e as crianças não nos entenderão. Perguntarão “Como, ‘revelava’?” e contaremos que levávamos os rolos de filme para serem revelados, e só então sabíamos como as fotos tinham “saído”, se nenhuma cabeça tinha sido cortada e nenhuma paisagem reduzida a um borrão indecifrável. E aumentará a perplexidade das crianças. “Rolo?” “Filme?” Reagirão ao fato de que houve uma época em que a distância entre o “clic” e a foto pronta podia ser de semanas como hoje reagimos à lembrança, por exemplo, de que já existiu uma coisa chamada “Gumex”. Quem se lembra o que era “Gumex” que levante o dedo, se ainda tiver forças. Usei muito “Gumex”. Era uma espécie de gelatina cor de rosa que se aplicava ao cabelo para fixar o penteado. Vendia-se em potes ou em pó, para sua mãe misturar com água. O cabelo ficava duro. O “Gumex” não apenas mantinha seu topete armado em qualquer ventania como servia de proteção contra eventuais objetos caídos do céu. Um problema: depois de passar o “Gumex” você tinha poucos segundos para ajeitar o topete de modo a assegurar o máximo efeito, pois o endurecimento era rápido. Não havia tempo para muita criatividade.
Ninguém precisa mais esperar para ver suas fotos reveladas e as velhas câmeras com rolos de filme seguem o caminho do “Gumex” para o esquecimento, mas as novas câmeras não tornaram o ato de fotografar muito mais fácil, pelo menos para os recém chegados ao mundo digital. Como bem sabe quem já teve que esperar, fazendo pose, que um fotógrafo descobrisse como funcionava a câmera digital de outro.

– É só apertar o botão.
– Qual?
– O da direita.
– Minha direita ou a sua?
– A sua, a sua.
– Não aconteceu nada.
– Tem que ficar apertando.
– Pronto. Deu. Ou não deu?
– Eu não vi o “flash”.
– Tinha que ter “flash”?
– Tinha. Tenta de novo.

Clic.

– Oba. Agora foi.
– Deixa ver como ficou...
– Acho que ficou boa.
– Você cortou a minha
cabeça!
É verdade que as novidades nem sempre fazem esquecer o que havia antes. Como prova a volta do disco de vinil, quando parecia que o CD era definitivo.
Além de, dizem, o vinil gravar coisas que o CD não grava, deve haver um pouco de nostalgia nessa volta ao passado. Eu usaria de novo o “Gumex”, se ainda existisse. Mas cadê o topete?

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