domingo, agosto 16, 2009

ELIO GASPARI

Marina e Lina viraram feras, ótimo

FOLHA DE SÃO PAULO - 16/08/09


Duas mulheres mostraram à máquina do poder que as servidoras não devem levar desaforo para casa


MARINA SILVA E LINA VIEIRA são duas mulheres que decidiram servir ao público, uma na militância política, outra nos quadros do Estado. Uma saiu da floresta onde viveu analfabeta até a adolescência. A outra, oriunda de família mais afortunada, teve a educação dos privilegiados. Em apenas uma semana tornaram-se personagens relevantes da vida nacional, lançando um pouco de luz sobre um fenômeno antigo, mas pouco reconhecido: a singularidade do gênero feminino no serviço público.
As mulheres viveram em posição secundária durante cinco séculos. A primeira médica brasileira, Maria Augusta Generoso Estrela, formou-se nos Estados Unidos em 1887. A primeira advogada diplomou-se em 1925 e só em 1982 Esther de Figueiredo Ferraz chegou ao Ministério da Educação. De lá pra cá esse jogo mudou. Centenas de milhares de brasileiras buscam o serviço público como caminho para a independência e o reconhecimento profissional. Todas as generalizações são perigosas, inclusive esta, mas as mulheres independentes precisam do rigor, das normas e do respeito ao interesse público para proteger suas qualificações pessoais.
Marina Silva e Lina Vieira saíram daquele pedaço da sociedade brasileira que os poderosos consideram irrelevante para o grande jogo do poder. Uma senadora do Acre, de fala mansa, não pode ter importância num assunto como a sucessão presidencial. Quando ela abandonou o Ministério do Meio Ambiente, tentou-se resolver o problema com uma substituição cenográfica, atribuindo-se seu desencanto a uma excentricidade amazônica. Deu errado e ela já avisara: "Perco o pescoço, mas não perco o juízo". Da mesma forma, uma secretária da Receita Federal pode ser dispensada como lenço de papel, sem explicação respeitável. Bastaria murmurar que era incompetente e a senhora saberia seu lugar. Deu errado.
Os dois casos deixam uma lição para os sábios do poder nacional: o Brasil melhora quando uma mulher vira fera a serviço do Estado e elas sabem que, a certa altura de suas vidas, ou viram fera ou são tratadas com o respeito e admiração que se dá aos lenços da casa Hermès.

O STF SALVOU A VIÚVA E MATOU A BOLSA IPI

O Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, que o crédito tributário de IPI reivindicado pelos exportadores está extinto desde 1990. (Faz tanto tempo, que não custa lembrar: Nelson Mandela foi solto em fevereiro daquele ano.) Com o patrocínio da Fiesp, os empresários sustentavam que era necessário evitar um julgamento que poderia obrigar o governo a indenizar os exportadores. Contrabandearam a Bolsa IPI numa medida provisória de casas populares e habilitaram-se a receber um prêmio de 15% sobre o valor de seus negócios até o final de 2002. Segundo a Procuradoria da Fazenda Nacional, a Viúva morreria em pelo menos R$ 144 bilhões. Numa unanimidade típica de sua época, o Senado aprovou a malandragem. A MP passou pela Câmara com votos de todos os grandes partidos e o apoio decisivo do PSDB.
Expressando os argumentos dos interessados, o empresário Roberto Giannetti da Fonseca, presidente da Funcex, disse o seguinte: "Não se trata mais de saber quem tem ou não razão, mas de procurar encerrar essa disputa tributária com muito equilíbrio e bom senso".
Ao contrário: tratava-se de saber quem tinha razão e o Supremo Tribunal Federal estava lá para isso. A Viúva estava certa.
A cavalgada da MP revelou-se um esforço desesperado para driblar o Supremo. O contrabando da MP está na mesa de Nosso Guia e o ministro Guido Mantega pediu formalmente que a astúcia seja vetada.

SEM REMÉDIO
Ficou mal na foto o ministro José Gomes Temporão. Foi a uma reunião na Câmara e o deputado Miro Teixeira perguntou-lhe quantas pessoas morreram de gripe suína depois de terem recebido a devida medicação até 48 horas depois do aparecimento dos sintomas. O ministro falou, falou, mas não respondeu. Cobrado, informou: "Não sei, e ninguém sabe".

RECORDAR É VIVER
O governo americano salgou suas relações com a América Latina expandindo sua presença militar na Colômbia. Depois de perder a base de Manta, no Equador, e de desistir de outra, em Marechal Estigarribia, no Paraguai, o Pentágono reescreveu as normas de sua presença. A operação colombiana não instalará bases, mas permitirá que militares americanos, comandados por oficiais americanos, operem em quartéis colombianos.
Guardadas as diferenças logísticas, em 1956 os Estados Unidos tentaram obter de Juscelino Kubitschek um acordo que lhes permitia instalar postos de rastreamento de mísseis em Maceió, Natal, Fortaleza, Belém e Fernando de Noronha. JK cedeu Noronha e, pelo acordo, brasileiros não podiam ter acesso a algumas das dependências do posto de observação. A base foi desativada em 1965 e no seu prédio funciona hoje um hotel.

TEMER NA VICE
Pelo andar da carruagem, o deputado Michel Temer é o favorito para a posição de candidato a vice-presidente na chapa de Dilma Rousseff. Seus maiores adversários são os esqueletos e dragões guardados nos armários da contabilidade da Câmara.

SENADO
Os poetas sabem de tudo. No seu "Mafuá do Malungo", Manuel Bandeira incluiu um retrato do "Sapo-Cururu":
"Sapo-cururu
da beira do rio.
oh que sapo gordo!
oh que sapo feio!
Sapo-cururu
da beira do rio.
Quando o sapo coaxa,
povoléu tem frio.
(...)
Sapo-cururu
da barriga inchada.
Vôte! brinca com ele...
Sapo-cururu é senador da República."
(Segundo Eugênio Nascimento, "vôte" é uma interjeição que manifesta repugnância a alguma coisa. Por exemplo: "Ele come até cobra assada. Vôte.")

NO PULMÃO
Uma ilustração para os delírios da banca antes do estouro de 2008: o Banco Lehman Brothers, como alguns cassinos de Las Vegas, injetava oxigênio nos seus dutos de ar refrigerado para aumentar o pique de seus operadores.

COISAS NO LUGAR
Nosso Guia reconheceu que tem uma dívida de gratidão com o doutor Henrique Meirelles, que devolveu uma cadeira de deputado federal para ocupar a presidência do Banco Central. Por mais grato que estivesse, em abril do ano passado, antes da crise mundial, Lula decidiu defenestrar o doutor e convidou para o seu lugar o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, que felizmente foi presidir o Palmeiras. (No dia 1º de maio Meirelles já tinha subido no patíbulo, mas a economia brasileira conquistou a posição de "investment grade" e Lula achou melhor segurar a lâmina.)

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