quarta-feira, agosto 26, 2009

CRISTIANO ROMERO

O Banco Central acertou

VALOR ECONÔMICO 26/08/09

Passado quase um ano da crise financeira mundial, é possível afirmar que o Brasil saiu inteiro da turbulência. O país sobreviveu, pela primeira vez, a uma grave crise internacional. Ter bons fundamentos, conquistados ao longo de quase uma geração, foi crucial, mas, sem uma boa gestão do Banco Central (BC), a economia não teria se salvado.

Até a quebra do Lehman Brothers, a economia brasileira estava superaquecida, com a demanda crescendo a 9,3% ao ano e o investimento, a 18%. O uso da capacidade instalada da indústria era superior a 85%. Os índices de confiança de consumidores e empresários eram recordes. Com a queda do LB, o mundo desabou e o Brasil não tinha como escapar do contágio.

O primeiro canal de transmissão foram as linhas de crédito internacional, que respondiam por 8% do crédito oferecido no país e que foram imediatamente cortadas. Lá fora, o pânico se disseminou rapidamente, levando a um processo de ajuste de estoques. No Brasil, a crise trouxe problemas de liquidez para bancos pequenos e médios, que se financiavam no atacado.

O BC entrou em ação para normalizar os mercados e evitar que a crise de liquidez provocasse uma crise bancária. No mercado de reais, a primeira medida foi "jogar dinheiro do helicóptero", ou seja, reduzir os compulsórios do sistema financeiro - na prática, liberou-se o equivalente hoje a R$ 120 bilhões. A medida deu certa tranquilidade ao mercado, mas não foi suficiente porque não resolveu o problema dos bancos pequenos, que continuavam perdendo depósitos.

O BC passou à ação seguinte, que foi direcionar compulsório dos grandes bancos para a compra de carteira dos pequenos. Com isso, estabilizou a situação desses bancos, que permaneceram, no entanto, sem receber novos depósitos por causa da crise de confiança. A terceira ação foi instituir o DPGE (Depósitos a Prazo com Garantia Especial), que são papéis, semelhantes aos CDBs, emitidos pelos bancos com proteção do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) até R$ 20 milhões. O alvo eram os bancos pequenos e médios. A medida foi um sucesso, os bancos captaram R$ 9 bilhões e, com isso, voltaram a operar suas carteiras.

No mercado de dólar, o BC brasileiro se tornou referência ao fazer leilões em que passou a emprestar recursos das reservas cambiais para financiar o comércio exterior - basicamente, ACCs, e depois outros produtos da dívida externa. O BC chegou a emprestar US$ 10 bilhões, sendo que US$ 6 bilhões já foram pagos. O que chama atenção é que tudo foi feito em tempo recorde - o governo baixou medida provisória, o Congresso a aprovou rapidamente, o CMN baixou as resoluções necessárias e o BC montou estrutura de crédito. Aquela foi uma vitória não da autoridade monetária, mas da sociedade brasileira.

Nos primeiros meses da crise, defendeu-se que o BC deveria atuar de forma mais firme no mercado para conter a desvalorização do real. O BC considerou que o câmbio se ajustaria ao tamanho da crise. Além do mais, avaliou que não deveria gastar reservas para defender os que fizeram aposta errada com derivativos cambiais. Este foi o pior momento da crise. Por causa dos derivativos, criou-se uma forte pressão política para intervenção no câmbio e socorro das empresas. Para o BC, o problema não envolvia risco sistêmico. Num dado momento, quando o câmbio bateu em R$ 2,05, dirigentes da instituição avaliaram que, se houvesse intervenção pesada, o país veria suas reservas cambiais desmancharem. Isso aconteceu na Rússia e o resultado foi desastroso.

No momento seguinte, veio a decisão do Federal Reserve (Fed) de abrir uma linha especial de crédito, por meio de uma operação de "swap", de US$ 30 bilhões. Foi a maior conquista internacional do Brasil em muitos anos, mais importante, talvez, que o "investment grade". Os "swaps" do Fed só beneficiaram 15 bancos centrais, mostrando a importância sistêmica do Brasil.

Na contramão de outros bancos centrais, o BC brasileiro não reduziu os juros no primeiro momento da crise. A pressão política cresceu e, em dezembro, preocupado ainda com um possível efeito do câmbio ("pass-through", na linguagem técnica) sobre os preços, o BC, em decisão unânime da diretoria, manteve os juros inalterados. Na mesma ocasião, sinalizou que iniciaria o alívio monetário na reunião seguinte. O mercado entendeu a mensagem e, com isso, a estrutura a termo da taxa de juros despencou. Na prática, portanto, os juros começaram a cair.

Reside, nesse aspecto, a torrente de críticas ao BC, afinal, o "pass-through" não se materializou e a atividade estava em queda livre. Em sua defesa, o BC alega que evitou gastar munição antes do tempo, como ocorreu, inclusive, com o Fed (sobre o tema, recomenda-se a leitura de "Sustaining a Global Recovery", do economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard).

Nos meses seguintes, o BC cortou cinco pontos percentuais da taxa Selic e, agora, o Brasil começa a sair da crise antes da maioria dos países. Tudo isso mostra as vantagens de se ter um BC autônomo, que resiste a pressões políticas. O ideal seria tê-lo independente de direito, mas, talvez, nesse caso, seja exigir muito de um país que conquistou estabilidade política há menos de 30 anos e econômica, há menos de 20.

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