domingo, julho 05, 2009

COISAS DA POLÍTICA

O encontro de Moscou

Mauro Santayana

JORNAL DO BRASIL - 05/07/09

Quando duas grandes nações, sobretudo se são historicamente rivais, se entendem, alguém paga pela paz. Assim tem ocorrido sempre na História. Os pactos se fazem contra terceiros. Entre tantos exemplos, podemos ficar com um dos mais recentes, em termos históricos: o da capitulação da França de Daladier e da Inglaterra de Chamberlain, sob a iniciativa da Itália de Mussolini, ante as exigências de Hitler sobre o território dos sudetos. Quem pagou pelo Acordo de Munique, firmado na madrugada de 30 de setembro de 1938, foram os tchecos. Hitler, depois de anexar a Áustria, fez ultimato a Praga, para que lhe fosse entregue a soberania sobre o território ocidental do país. Os tchecos resistiram, confiados nos acordos de solidariedade que tinham com a Inglaterra e a França, mas franceses e ingleses os abandonaram. Hitler, autorizado por Paris e Londres, ocupou o país nas primeiras horas do dia seguinte. O escritor Karel Capek, acometido de infecção pulmonar, deixou, no mesmo dia, de medicar-se, como protesto, e morreu no Natal seguinte. Poucos meses mais tarde, a Tcheco-Eslováquia se tornava "protetorado" do Reich. Seu presidente, Hácha, sob a ameaça de que as principais cidades do país seriam arrasadas, rendeu-se à força, assinando o "pedido" ao Reich, para que "protegesse" o seu povo.

Terça-feira se reúnem, em Moscou, os presidentes Barack Obama e Medvedev. Vão iniciar novas negociações para a redução recíproca de armas nucleares (diminuir o supérfluo, e manter, nos dois lados, bombas suficientes para aniquilar a Terra e a Lua). É claro que haverá concessões de lado a lado. Os russos querem acabar com o chamado escudo protetor antibalístico, que os americanos pretendem instalar na Polônia e na Tcheco-Eslováquia. Como não são parvos, sabem que a iniciativa, de Bush, nada tem de defensiva, e constitui ameaça a queima-roupa contra seu povo. Como prova de boa vontade, conforme informava a imprensa no fim de semana, estão dispostos a abrir caminho em seu território, a fim de que os norte-americanos possam, com mais segurança, abastecer a sua frente no Afeganistão com equipamentos e homens.

Os rebeldes afegãos, que, com a ajuda americana, lutaram contra os soviéticos durante nove anos – quando Moscou apoiava o governo marxista de Cabul – descobrem, agora, que os amigos, quanto mais poderosos, menos confiáveis. Tendo enfrentado antes os russos, e combatendo hoje tropas norte-americanas e europeias, veem o que lhes parecia impensável: o governo de Moscou contribuindo para a vitória ianque em seu país.

Ao espantar do Kremlim as sombras de Lenine e de Stalin, Gorbatchev favoreceu a desagregação do antigo império e, assim, permitiu que seus sucessores fizessem, do que sobrara, uma república como as outras. Como o antigo império russo se espraiava sobre três continentes (do Alasca ao Extremo Oriente), a Federação Russa pôde conservar o domínio da maior extensão territorial do mundo, o que representa grande trunfo estratégico. Uma aliança dos Estados Unidos com a Rússia seria, assim, praticamente imbatível diante da China e da Índia – que estarão atentas às negociações de Moscou, depois de amanhã. Embora a situação internacional de hoje seja outra, temos que olhar o passado. Quando os diplomatas conversam muito, os estrategistas contam os seus soldados e calculam o poder de suas armas.

Registre-se, também, que Medvedev, discretamente, vai assumindo liderança própria, saindo da sombra de Putin. Não se sabe se será capaz de crescer mais do que o seu padrinho e criador. De qualquer forma, Obama, não obstante a sua postura mais aberta diante do mundo, deve, no íntimo, contar com o provável dissídio entre os dois estadistas russos. Outros preocupados com o encontro de Moscou são os países da União Europeia, temerosos de perder sua importância no mundo.

É compreensível que Obama atue com astúcia em favor de seu país, da mesma forma que o faça Medvedev. São administradores da memória de dois grandes impérios, preocupados com o declínio de suas nações, e empenhados em restaurar a pujança antiga. Os nossos países, sem embargo, herdeiros de outra memória – a da submissão colonial – da qual estamos nos livrando com dificuldades, devem acautelar-se diante do entendimento dos fortes. É bom que haja paz entre eles, mas não em nosso prejuízo.

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