sexta-feira, julho 17, 2009

AUGUSTO NUNES

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Contra a epidemia de bandidagem política, use vaia. Não tem contra-indicação. Até agora nunca falhou

17 de julho de 2009

Em 13 de maio de 1959, quando o sistema de som do Maracanã anunciou a escalação do Brasil para o jogo contra a Inglaterra, 100 mil torcedores vaiaram a presença de Julinho no lugar de Garrincha. Titular da Seleção que disputou a Copa de 1954 na Suiça, herói da conquista do campeonato italiano pela Fiorentina, o craque já no Palmeiras vestia a camisa 7 por decisão do técnico. Mas arquibancadas e gerais precisavam descarregar a frustração causada pela ausência do maior driblador de todos os tempos. Sobrou para Julinho.

Cabeça boa, Júlio Botelho assimilou serenamente a manifestação hostil. No segundo minuto de jogo, livrou-se da selva de marcadores e fez um golaço. No 15°, esculpiu com dribles desmoralizantes e galopes de puro-sangue inglês o lance que resultou no gol do flamenguista Henrique ─ e consolidou a vitória por 2 a 0. Jogou como um Deus até o apito final. E então retribuiu com um sorriso tímido a ovação endereçada ao melhor em campo. Não se sentia vingado. Apenas feliz.

Quase 50 anos depois, quando o locutor do Maracanã anunciou a chegada do presidente da República, 70 mil gargantas vaiaram a presença de Lula na festa de abertura do Pan-2007. Reeleito meses antes, Lula estava bem no retrato pintado por institutos de pesquisas. Mas a multidão precisava descarregar a indignação provocada pelo colapso da aviação civil, pelo deboche dos quadrilheiros federais, pelo cinismo dos pecadores governistas, pela institucionalização da impunidade, pela inépcia dos pais da pátria, pela erosão dos alicerces físicos e morais sem os quais não se pode sonhar com um Brasil moderno. Sobrou para Lula.

Se conhece o episódio de 1959, presidente não soube assimilar a lição do craque. Com a grandeza dos humildes, Julinho não se queixou da vaia nem saiu à caça de culpados: o povo apenas queria ver Garrincha jogar, ponderou. Com a pequenez dos que jamais têm dúvidas, Lula decidiu no primeiro apupo que tudo aquilo fora orquestrado por descontentes profissionais a serviço da elite golpista.

“Os que estão vaiando são os que mais deveriam estar aplaudindo, porque são os que mais ganharam dinheiro no meu governo”, continuou ressentido dois dias depois. “A parte pobre da população é que deveria estar zangada. É só ver o quanto ganharam os banqueiros, os empresários”. Lula acertou ao admitir que os ricos nunca lucraram tanto quanto no governo eleito pelos dependentes do Bolsa Família. Errou ao imaginá-los saindo furtivamente de seus palacetes para aborrecer o benfeitor no Maracanã ─ e em companhia de uma perigosa ramificação da classe média.

”Essa gente levou Getúlio ao suicídio”, viajou Lula. ”Essa gente fez a Marcha com Deus pela Liberdade, que resultou no golpe militar”. A fantasia ficou em frangalhos depois de confrontada com as imagens dos supostos conspiradores. Aquela gente não havia nascido quando Getúlio se matou. A maioria engatinhava quando os adultos, em 1964, marcharam com Deus pela liberdade. Aquela gente só podia ser acusada de valer-se com tanta competência do protesto sonoro que fez o alvejado perder o siso e a soberba.

O som que funde a fúria, a exaustão, o sarcasmo e a chacota não tem contra-indicação, pode ser utilizado na presença de crianças e age sobre distintas abjeções. Sobressalta o presunçoso, silencia o falastrão, inibe o debochado, constrange o arrogante ou desfaz o sorriso do canalha. Nada como a propagação da vaia para combater epidemias de bandidagem política semelhantes à que devasta o Brasil neste começo de século. Até agora, nunca falhou.

Brasília não é lugar para vaias. Bom escultor de curvas inabitáveis, Oscar Nyemeyer conseguiu fazer uma cidade sem esquinas e, portanto, sem povo, pois só existe povo onde existe esquina. E vaia não vive sem povo. Mas os sócios do movikmentadíssimo clube dos cafajestes só acampam no grande bunker do Planalto Central três dias por semana. Ficam expostos de sexta-feira a segunda. Que sejam vaiados, sozinhos ou em companhia da família, nos aeroportos, no interior dos aviões, nos restaurantes, nos táxis, nos carrões com motorista oficial, nas calçadas, nas ruas, no jardim da própria casa. É doce contemplar um rosto em transição do deboche para o medo.

Vaiemos, pois. Não temos nada a perder além da sensação de impotência e da indignação há tanto tempo represada.

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