quinta-feira, junho 18, 2009

AUGUSTO NUNES

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Sarney esqueceu que a morte política vive à espreita dos muito vivos

17 de junho de 2009

Porque era provido do sentimento da honra, por ser capaz de sentir vergonha, Getúlio Vargas preferiu morrer a sujeitar-se a vinganças ultrajantes. Depois da mais dramática renúncia, o estadista gaúcho sobreviveu politicamente à morte física. Porque acha que nada desonra, por ser incapaz de envergonhar-se, José Sarney preferiu permanecer na presidência do Senado a reconhecer que ofendeu o Brasil que pensa. Depois de confirmar a tese de Jânio Quadros segundo a qual aqui ninguém renuncia sequer ao cargo de síndico, o morubixaba maranhense vai conhecer em vida a morte política.

“Em política só existe a porta de entrada”, repete Sarney a cada entrevista mais extensa. Claro que existem portas de saída─ só não as enxerga quem imagina que a carteirinha de sócio do clube dos pais da pátria não tem prazo de validade. Há a porta da frente e a dos fundos. Por aquela saiu Getúlio, sobraçando uma comovente carta-testamento. Pela porta dos fundos vai saindo o presidente do Senado, no cangote de um discurso inverossímil.

Foi penoso acompanhar pela TV a performance do artista em seu ocaso. Mãos trêmulas, olhar de medo, a voz indignada contrastando com os desmaios no meio da frase sem pé nem cabeça, o homem que chegou ao Congresso há 50 anos, governou o Maranhão e o Brasil e preside de novo o Senado parecia um coroinha do baixo clero. Enfileirou argumentos indigentes, evocou atos de bravura imaginários, reinventou o passado de governista congênito e caprichou na pose de herói da resistência.

Sempre perseguindo erraticamente pontos finais, Sarney engavetou pecados antigos, subestimou os recentes, informou que os atos secretos não foram secretos e, caprichando na pose de vítima, exigiu respeito. “A crise não é minha, a crise é do Senado”, inocentou-se.

É isso aí, concordariam os presentes, com falatórios na tribuna ou com os gritos do silêncio. Todos fizeram de conta que Sarney não embolsou malandramente o auxílio-moradia, não promoveu a diretor-geral o bandido de estimação Agaciel Maia, não pendurou no cabideiro de empregos do Congresso duas sobrinhas, um neto, o ex-presidente da Assembléia Legislativa do Amapá, 5o parentes pra cá e 50 amigos pra lá. Todos absolveram o patriarca que tentara encobrir com um desfile de negativas a procissão de delinquências comprovadas.

Quando estiverem cauterizadas as feridas morais abertas pela Era da Mediocridade, o Brasil contemplará com desconsolo e desconcerto a paisagem deste começo de século. Como foi possível suportar sem revides as bofetadas desferidas por um político sem luz, orador bisonho, poeta menor e escritor medíocre? Como explicar a mansidão da maioria dos insultados pelo coro dos cúmplices contentes?

A ausência no plenário de representantes do Brasil que presta talvez seja mais perturbadora do que a presença de Sarney no centro da mesa diretora. Encerrado o espetáculo do cinismo, ninguém falou em nome dos injuriados. Ninguém contestou a discurseira absurda. Ninguém lastimou a decomposição do Legislativo. Ninguém sentiu vergonha.

Na quarta-feira, os senadores ficaram parecidos com Sarney, que é a cara do Senado destes tempos tristonhos. Mais cedo para uns que para outros, a morte política chegará para todos. Tomara que a instituição sobreviva.

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