sábado, junho 13, 2009

RUY CASTRO

A sétima corda

FOLHA DE SÃO PAULO - 13/06/09

RIO DE JANEIRO - Quando algo do dia a dia me intriga ou perturba, e faltam-me as palavras para definir tal incômodo, não vacilo: apelo para os mestres. Eles podem estar nos livros, nos discos ou nas rodas vadias. Não por acaso, Nei Lopes frequenta todos esses veículos. Neste momento, seu novo CD, "Chutando o Balde", é que me tem valido.
Como Nei, acho ridículo que as pessoas usem o boné com a pala para trás. Coisa de americano débil, claro, mas por que a moda tinha de pegar aqui? Agora já sei. Em "Pala pra Trás", ele esclarece: "A pala é a maior proteção/ Pros olhos e a visão/ Quando a luz é demais/ A não ser que a sensibilidade / Em Vossa Majestade/ Venha de trás".
Também como Nei, sou dos que se envergonham de ver certos brasileiros -"fake/ tudo fashion, tudo teen"- comemorando o Halloween. Mas só ele imaginou uma cena em que pseudo-darks e góticos, brincando de chamar coisa ruim num apê de cobertura, invocam justamente quem não queriam -de repente, "a cigana/ rodou a baiana/ riscou fogo no estopim/ Pombajira baixou no Halloween".
E, sempre como Nei, não me conformo ao ver a música popular atrair palavras ingênuas para fora do dicionário e corrompê-las com inglórios novos sentidos. Ele corrige: "No meu dicionário, roqueiro é aquilo/ Que fica lá em cima da rocha/ E fanqueiro é o cara/ Que vende tecido/ De linho e algodão/ Pra mim, sertanejo/ É, antes de tudo, um forte/ E axé é força e boa sorte/ No meu dicionário/ Galera é apenas uma embarcação".
Em outro grande samba do disco, Nei resume tudo ao falar dos oportunistas pouco à vontade dentro do terno de linho e do pisante branquinho, que batem o pandeiro "com mais ódio que amor" e, como só são sambistas porque essa agora é a onda, podem acabar se enforcando na sétima corda.

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