quarta-feira, junho 17, 2009

COISAS DA POLÍTICA

O outono do patriarca

Rodrigo de Almeida

JORNAL DO BRASIL - 17/06/09

O alarido foi, enfim, içado dos subterrâneos do Senado para a tribuna, e coube ao símbolo maior do escândalo a tarefa de fazê-lo. Com o discurso de ontem, no entanto, o senador José Sarney (PMDB-AP) dificilmente terá reduzido alguma fatia da crise que corrói o prestígio do Senado que preside. A descoberta de que a Casa manteve por 14 anos uma burocracia secreta para distribuir favores a um pequeno grupo o levara às cordas. Aliados o haviam aconselhado a se defender atacando. Da emersão, pelo menos uma defesa lhe causará dor de cabeça: "Eu não sei o que é ato secreto, aqui ninguém sabe. (...) Não temos nada com isso", afirmou. "A crise é do Senado, não é minha", foi uma das frases que disse na tribuna para mostrar que é menos o culpado e mais uma peça de uma engrenagem torta, com códigos e costumes diferenciados.

Esse é o risco de escândalos do gênero: transformar o que é uma soma de espertezas individuais em "crise institucional sem precedentes", conforme o mantra espalhado imprensa afora. São duas coisas graves – o escândalo e a histeria decorrente – quando se trata da instituição mais bem dotada para exibir o crivo do interesse público, o Congresso Nacional.

Mais do que qualquer coisa, o monturo dos atos secretos escancara a debilidade individual e partidária de quem vive o autêntico outono do patriarca. Aqueles que acompanham a longa trajetória de Sarney costumam identificar três atores políticos cerrados num só: um é o Sarney do Amapá; outro, o senador do Maranhão; e o terceiro, o Sarney, digamos, nacional. O primeiro é ignorado, o segundo voltou a ganhar musculatura política com o retorno da filha Roseana ao governo maranhense, e o último se encontra politicamente cada vez mais frágil depois que disputou pela segunda vez a presidência do Senado. Nos três casos, há um enorme desfiladeiro que o separa da grandeza que se espera de um ex-presidente da República e a miudeza de um longevo ator que continua a exibir-se na ribalta do poder – a despeito do cansaço do distinto público. A coluna ouviu de um ex-ministro de Sarney um relato exemplar da distância:

"Uma vez lhe perguntei: por que não se comporta como um estadista e sai da linha de tiro? Por que não usa sua larga experiência e passa a cumprir a função de ex-presidente da República, um conselheiro político respeitado que empresta seu conhecimento às grandes questões nacionais? Por que não fica acima das miudezas partidárias e se afasta das disputas pequenas do dia a dia, de Brasília e do Maranhão?".

Pelo relato deste ex-ministro, tais perguntas deram-se não em tom de cobrança ou descrença mas de aconselhamento – ou lamento por ver um aliado em sucessivos apuros. Ao interlocutor, Sarney respondeu, como quem justifica a impossibilidade de livrar-se de um vício: "Farei o quê? Não sei fazer outra coisa na vida!".

Passemos. Uma coisa, vá lá, é participar da política cotidiana, com motivações republicanas, outra é embrenhar-se em disputas renhidas – como a que teve com o PT pelo comando do Congresso, briga que se estendeu após a eleição e deixou sequelas não cicatrizadas. Na avaliação de um dirigente do PT, embora Sarney continue forte com o lulismo, desgastou-se em demasia com parte do petismo. Um certo lado do partido absorveria no plano do estritamente necessário a aliança do ex-presidente com o Palácio do Planalto, mas sempre que possível buscaria deixar clara a incompatibilidade dos DNAs políticos.

Descontada a malícia do discurso petista de tentar desvencilhar-se da responsabilidade de ter Sarney como aliado, as recentes crises postas à mão de Renan Calheiros, primeiro, e Sarney, agora, demonstram as dificuldades intrínsecas da aliança com o PMDB da dupla. Nos últimos 24 anos, diga-se, o PMDB comandou o Senado durante 20 anos. É um recorde do período republicano (mesmo contando o aglomerado Arena/PDS no regime militar, ninguém exerceu domínio tão longo). Essa condição sempre assegurou aos peemedebistas poderes consideráveis.

Deu nisso: o mesmo PMDB que chegou a canalizar as frustrações do eleitorado brasileira na volta ao regime democrático transformou-se até virar uma confederação de caciques. Sarney é um desses, agora em pleno calvário. Ao contrário do que disse ontem, a crise é dele – como também é de outros adeptos de medidas esconsas diversas. Diferente da instituição que preside, ele dificilmente terá tempo político para recuperar o desgaste de imagem e renascer forte aos 81 anos, quando termina o mandato à frente do Senado.

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