domingo, junho 14, 2009

COISAS DA POLÍTICA

A exaltação do ódio

Mauro Santayana

JORNAL DO BRASIL - 14/06/09

Uma das mais inquietantes lições do julgamento de Nurenberg foi a da aceitação do ódio como fé e a doentia sublimação do rancor, seja lhe concedendo falsos valores de transcendência, seja amparando-o com supostos fundamentos científicos. O nazismo não foi só a banalização do mal, segundo Hannah Arendt. Com aquele conjunto de insânias e de insanos, militou a presunção de enobrecer o crime, enaltecer a vulgaridade, perfumar as sarjetas da consciência. Quando o conjunto de provas foi examinado pelos acusadores e juízes, eles se assustaram com a adesão quase absoluta da população da Alemanha e de parcelas ponderáveis de alguns dos países ocupados, como a França. "Se eles tivessem sido finalmente vitoriosos – disse o procurador francês Xavier de Menthon – estaríamos agora repetindo seriamente esses slogans que a nossa inteligência repudia".

O nazismo não foi mera associação de bêbados baderneiros, como o identificou Willy Brandt, ao reclamar o respeito do mundo pela velha Alemanha. Ele se apoiou em alguns intelectuais destacados. Goebbels conhecia, como ninguém, a psicologia das massas alemãs de seu tempo, assustadas historicamente, devotadas à obediência ao soberano, condicionadas, desde a Idade Média, ao antissemitismo. Esses pressupostos, de que se utilizou, poderiam ter sido identificados pela razão, se outro fosse seu polo ético. Com o deslumbramento do êxito fácil, os intelectuais passaram não só a aceitar como a justificar o totalitarismo. Disso é evidência a atuação do mais conhecido pensador alemão do século passado, Martin Heidegger. Ao substituir o reitor da Universidade de Freyburg, que se opusera ao nazismo, o autor de O ser e o tempo aderiu de corpo e alma à nova ordem, declarando que não havia mais ideias a seguir: o Führer era a nação. Como reitor, Heidegger promoveu a eliminação dos livre-pensadores, estabeleceu o "princípio do chefe", e o pensamento único na universidade. Ao ser expelido da reitoria, depois da vitória aliada, Heidegger jamais explicou sua posição, a não ser com o cínico aproveitamento de uma ideia de Paul Valèry, a de que, "quem pensa grande, pode cometer grandes erros". Em 1953, ele reiterou sua fidelidade ao sentimento totalitário, ao glorificar, na Introdução à metafísica, "a essencial verdade e a grandeza do nacional-socialismo".

Em artigo publicado na semana passada, a que deu o título de The big hate, Paul Krugman fala da reaglutinação da extrema direita norte-americana, com explícitas manifestações de ódio contra o presidente Obama. Como se noticiou, o velho antissemita que atirou contra um guarda do Museu do Holocausto, redigiu nota prévia a seu ato, em que, ao negar o genocídio nazista, denuncia o fato de que Obama foi educado por judeus. Krugman associa o assassinato no Museu a outro, o do médico defensor do direito ao aborto, George Tiller. Concedendo que o pior atentado nos Estados Unidos tenha sido executado por estrangeiros – o 11 de Setembro – o segundo pior, de Oklahoma, de que se confessou autor Timothy McVeigh, foi, de acordo com Krugman, obra totalmente de americanos.

Ao mesmo tempo em que isso ocorre nos Estados Unidos, a direita cresce na Europa, afastando dos governos a social-democracia. As crises econômicas do século passado deram força aos movimentos totalitários. O desemprego dos anos 20, na Europa, em consequência da 1ª Guerra Mundial, estimulou os populistas de direita, com o fascismo de Mussolini, o nacional-socialismo de Hitler, a Ação Francesa, de Maurras, e a Falange, de Primo de Rivera e Franco, na Espanha. Naqueles anos, o assalto ao poder foi precedido de certa apatia dos eleitores, denúncias de corrupção dos parlamentos, conformismo dos intelectuais – o que se repete agora. Faltou aos partidos de esquerda a necessária habilidade para concertar uma aliança entre a social-democracia e os comunistas, e entre a esquerda e os partidos de centro. Ao frustrar-se uma solução de centro, a extrema-direita se apossou do poder, com as consequências conhecidas.

O medo do desemprego (que ameaça com a miséria, a fome, a humilhação) incita o ódio ao estranho, a começar pelos imigrantes, com a mobilização do racismo, e fomenta a unidade em torno de demagogos ousados. As lições do passado não podem perder-se. A nossa esperança é a de que os cidadãos se mobilizem, como não souberam mobilizar-se naquele tempo, e fechem o passo aos criminosos.

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