domingo, maio 24, 2009

VINÍCIOS TORRES FREIRE

Um guarda-chuva nas cataratas

 FOLHA DE SÃO PAULO - 24/05/09


Maré de baixa do dólar é muita água para o nosso barquinho; é a inversão da onda que causou a desvalorização do pós-crise

TENTAR CONTER a desvalorização do dólar no Brasil seria equivalente a abrir um guarda-chuva para se proteger das cataratas do Iguaçu: acaba-se molhado, com um guarda-chuva em pandarecos. A fim de limitar a alta do real seria preciso comprar dólares e empilhá-los nas reservas com apetite chinês (o que é caríssimo), além de baixar juros em ritmo de recessão americana. Mas tal discussão é ociosa, pois em hipótese alguma o Banco Central do Brasil faria tais coisas.
O dólar agora perde valor em parte devido ao refluxo da onda de pânico que se levantou em setembro de 2008. Indicadores importantes de risco caíram ao nível mais baixo em quase um ano (volatilidade de Bolsas, "spreads" sobre juros básicos, taxas interbancárias etc.). Baixou o medo de novas catástrofes financeiras. O dinheiro grosso do mundo, que em 2008 fugiu para o colchão seguro dos títulos americanos, agora quer rentabilidade, pois os "Treasuries" ainda rendem quase nada.
O dólar cai também porque os EUA têm de financiar um déficit público de 13% do PIB e vão inundar o mercado de títulos do seu Tesouro. Entre outros motivos, fazem dívida a fim de tapar rombos diretos e indiretos criados pela banca. O mercado se antecipa, vende títulos, o que tende a elevar a taxa de juros. Quer juros maiores para financiar a dívida monstro (mas, dizem medalhões não conservadores da economia americana, tão cedo isso não vai dar em elevação relevante de juros).
Enfim, o mercado vende ativos em dólares. No final da semana, saíram até de Bolsas, títulos e de dólares americanos ao mesmo tempo, o que é um tanto raro. Procuram rentabilidade e proteção contra a baixa adicional do dólar comprando commodities, ativos de países vendedores de commodities, com juros altos e que devem crescer algo mais que os EUA. O preço da soja é o maior em oito meses, o milho sobe, o petróleo sobe, o ouro sobe. Tem aparecido até crédito para empresas dos EUA.
Muitas moedas, em especial as de países que vendem commodities, sobem, o real inclusive. O dólar chegou ao nível mais baixo em relação ao euro em quatro meses. Cai até diante da esmolambada libra.
Houve um rumor na sexta-feira a respeito do rebaixamento do crédito dos EUA, que perderia a nota dez de devedor mais seguro do mundo. Porém a ameaça de degradação do crédito americano parece ter sido apenas o chantilly do bolo de motivos que força a queda do dólar.
Mas isso vai durar? O "mercado" vai achar, daqui a pouco, que exagerou no otimismo, dados o consumo e lucros baixos, e vai voltar à retranca, criando mais confusão nas Bolsas e nas moedas, após meados do ano?
As marés que fazem o dólar subir e descer são água demais para o nosso barquinho. Não há o que fazer, no curto prazo, parece. Não obstante, o problema do real forte é real, a não ser para os ainda restantes maníacos para quem o câmbio acaba por chegar a um nível que equilibra as contas externas (entre outros "reequilíbrios"). Mas tais coisas ocorrem sem pororocas econômicas graves apenas em livros de graduação de economia e finanças. Para piorar, se houver uma recuperação chinesa forte, mesmo com baixo crescimento nos EUA e Europa, não é improvável uma alta ainda maior do real.

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