domingo, maio 17, 2009

LUIS FERNANDO VERISSIMO

Outra carta da Dorinha

O GLOBO 17/05/09

Recebo outra carta da ravissante Dora Avante. Dorinha diz que só revela a sua idade sob tortura e se o torturador pedir com modos, mas nega que tenha sido a primeira brasileira a usar bikini numa praia e que só não tirou a parte de cima porque o padre Anchieta estava por perto. Dorinha instruiu seus netos a chamá-la de “Mana” em público e no espaço para a data de nascimento na sua carteira de identidade lê-se “Adivinha”. Aliás, a questão da identidade tem sido um problema para Dorinha e seu grupo, as Socialaites Socialistas, que hoje defendem um socialismo moreno, bem moreno, na linha do Barack Obama, para o Brasil. Como todas estão usando botox, ninguém reconhece mais ninguém, os rostos não combinam com o do crachá e as reuniões do grupo têm sido caóticas. No outro dia Tatiana (“Tati”) Bitati desconfiou que Cristina (“Ki”) Coisa não fosse Cristina (“Ki”) Coisa e sim um travesti e as duas se atracaram e rolaram pelo chão. Apesar disso, as reuniões têm se realizado e... Mas deixemos que a própria Dorinha nos conte. Sua carta chegou, como sempre, escrita com tinta grená num papel turquesa, perfumado com “Ravage Moi”, sua fragrância favorita. Que, como se sabe, foi proibida em vários países depois de causar tumultos.
“Caríssimo: beijíssimos! Estamos em campanha! As Socialaites Socialistas lançarão meu nome para concorrer à presidência da República. Iremos atrás do voto feminino com o slogan ‘O que é que qualquer outra candidata mulher não tem que eu também não tenho?’. Como você sabe, me separei do meu último marido, o Senador (ou era deputado? nunca perguntei) quando descobri que ele estava viajando todos os meses para Miami ou Paris com uma amante diferente, com passagens pagas pelo Congresso, portanto pelo contribuinte – portanto, por mim! Quando ele dizia que estava indo ‘perscrutar as bases’ estava se referindo às bases das moças. Mas estou pensando em me reconciliar com ele, pois vou precisar de passagens de graça para levar a todo país minha mensagem de moralização e austeridade, além de contar com o seu remorso para suprir minha caixa 2. A Dilma tem o Lula mas eu vou atrás do apoio do Barack, se conseguir encontrá-lo longe da Michelle. Exporei meu programa econômico, que é parecido com o dele – muito dinheiro para os ricos em dificuldade, que, afinal, são a nossa gente – e se isto não funcionar... Bem, sempre tem aquele meu pretinho com o decote em V profundo, que até hoje nunca falhou. Só o que eu quero é uma frase do Barack: ‘That’s my girl’. Da tua esperançosa Dorinha”.

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