quarta-feira, maio 06, 2009

ÉLIO GASPARI

A crise de 29 criou as fortunas do Texas

FOLHA DE SÃO PAULO - 06/05/09


Se Deus é brasileiro, trocará os banqueiros que pensam ser ingleses por empresários que querem ser texanos


ERA UMA VEZ uma depressão, a maior da história. Nela, um grupo de empreendedores aventureiros de pouco ou nenhum dinheiro produziu nos Estados Unidos a maior geração de riqueza da primeira metade do século 20, com a expansão do mercado de petróleo do Texas. Até hoje sabe-se pouco dessa gente, apesar de pelo menos dois deles terem se tornado, a seu tempo, os homens mais ricos do país. O mais famoso do grupo é lembrado por tabela, pois Glenn McCarthy (1907-1988) inspirou o personagem Jett Rink, representado por James Dean no filme "Assim Caminha a Humanidade".
A história dos homens do petróleo do Texas pode servir como um retrovisor para se pensar o que acontecerá na economia de muitos países durante e logo depois da atual crise. A sabedoria convencional estima que eles enriqueceram apesar da depressão. Errado. Beneficiados pela destruição criadora do capitalismo, enriqueceram por causa da depressão. Sem ela, talvez tivessem terminado seus dias trabalhando para os outros.
Desde os primeiros anos do século 20 o Texas prosperava com fenomenais descobertas de petróleo, mas a crise econômica do anos 30 fechou as torneiras dos bancos, paralisou os investimentos das grandes empresas e abriu espaço para os obstinados. Só um deles teve pai rico, dois (Howard Hunt e McCarthy) haviam se livrado da falência apostando nas cartas ou nos cavalos. Outro quebrou e dependeu de um gerente de lanchonete que atendia o telefone dizendo que falava do "escritório de Sid Richardson". Milionário, ele comprou a lanchonete e presenteou-a ao amigo.
A crise dos anos 30, como a de hoje, paralisou o crédito e inibiu investimentos. Os texanos deram a volta por cima rolando na lama preta e recorrendo ao sistema do fio de barba de empréstimos em pequenos bancos. Um deles chegou a pagar os empregados com mantimentos. A crise de 2008 quebrou a perna de um sistema financeiro arrogante e mastodôntico orientado por análises de risco centralizadas e impessoais baseadas numa fé divina no mercado e na pura ciência da computação. (Um grande fundo de hedge aconselhava-se com campeões de xadrez.) Esse mundo acabou.
No Brasil, um oligopólio financeiro prosperou atrelado à teta da Bolsa Copom. A queda dos juros está expondo a irracionalidade das taxas cobradas por alguns bancos e esgotou um modelo de pura intermediação de empréstimos feitos pelo governo.
Tanto nos Estados Unidos como em Pindorama o herói capitalista do tempo que vem por aí viverá da fé no taco do seu negócio. Bernard Maddoff simbolizou a loucura do fim de século raspando o dinheiro de inúmeras organizações filantrópicas. Roy Cullen (1881-1957), um recluso milionário texano que doou 93% de sua fortuna e fez de Houston um centro de excelência médica, ralou nas estradas antes de juntar o primeiro milhão de dólares. (Ele foi um generoso financiador de grupos de extrema direita, mas ninguém é perfeito.)
Não se pode saber como o espírito animal do capitalismo recuperará o mercado. Também não se sabe quais atividades ajudarão a impulsionar a economia. Uma coisa é certa: o sistema de financiamento que fez as fortunas dos últimos anos acabou-se para nunca mais. Até aí, nada de novo, mas pode estar começando no Brasil uma época com mais texanos e menos banqueiros. (Depois os texanos viraram banqueiros e alguns deles quebraram, mas essa é outra história.)

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