terça-feira, maio 26, 2009

BENJAMIN STEINBRUCH


Empurrando, pega no tranco!

Folha de S. Paulo - 26/05/2009
 

Mais cedo ou mais tarde haverá necessidade de aplicar remédios anti-inflacionários; mas cada coisa tem sua hora

CONTA-NOS John Kenneth Galbraith, em sua magnífica "A Era da Incerteza", que em 1937 a recuperação da Grande Depressão "estava a caminho", embora os índices de desemprego ainda fossem apavorantes nos EUA. 
Naquele momento, economistas que Galbraith chama ironicamente de "homens da sensatez" começaram a impor suas ideias ortodoxas. Agiam para se libertar da política keynesiana que influenciava o governo de Franklin Delano Roosevelt: defendiam corte de despesas públicas e aumento de impostos para retomar o superávit federal. Ao mesmo tempo, exigiam a volta da austeridade monetária, sob o argumento de que a inflação representava grave ameaça ao país. 
A despeito dos protestos dos keynesianos, os conservadores se impuseram. Então, à medida que o orçamento ia se equilibrando, a recuperação econômica acabava. 
Para a história, esse momento dos anos 30 ficou conhecido como o de "retração dentro da depressão". Alan S. Blinder, em artigo no "New York Times" ("It"s no time to stop the train" - 16/5/09), observa que a economia americana havia crescido de forma espetacular, quase 11% ao ano em média de 1933 a 1936. Depois da virada ortodoxa, o déficit público, que era de 3,6% do PIB em 1936, transformou-se em superávit de 0,2% em 1937. Mas o resultado final foi desastroso: o PIB teve uma queda de 3,4% em 1938. 
Essa atitude equivocada do governo FDR prolongou o sofrimento da Grande Depressão. Em 1939, dez anos depois do desastre da Quinta-feira Negra de 24 de outubro, ainda havia 9,5 milhões de desempregados nos EUA, 17% da força de trabalho. 
O povo americano só conseguiu se safar da Depressão com o ingresso dos EUA na Segunda Guerra Mundial, quando o remédio recomendado por Keynes teve de ser obrigatoriamente aplicado em doses cavalares. Os gastos públicos se multiplicaram com a indústria da guerra e, em 1942, o desemprego estava extinto nos EUA, havendo falta de mão de obra em muitas atividades.
Felizmente, não vivemos um momento semelhante ao da Grande Depressão nos EUA e, muito menos, no Brasil. As lições de 1937, porém, são muito úteis neste momento. Nos EUA, o presidente do Fed, Ben Bernanke, um estudioso da Depressão, por certo não repetirá o erro de 1937. O secretário do Tesouro, Timothy Geithner, disse na semana passada que ainda é cedo para preparar o plano que vai "desfazer" a intervenção do governo americano nos bancos, apesar dos sinais de que o setor financeiro começa a sarar. 
No Brasil, também há sinais de que a economia retoma lentamente o crescimento. Mais do que nunca, é preciso manter a coerência das medidas de estímulo fiscal e de crédito, bem como o curso do alívio monetário. Todos os setores agraciados com reduções de impostos, por exemplo, vêm respondendo satisfatoriamente ao estímulo. 
Mesmo que o atual movimento representasse um risco de inflação, ainda assim essa preocupação deveria ser deixada para segundo plano. Propostas de redução da meta de inflação para 2011 já foram sutilmente apresentadas, sob o argumento de que a crise abriu espaço para isso sem maiores apertos na política monetária. Essa conversa é perigosa, porque embute uma armadilha para bloquear a continuidade da redução dos juros para um nível civilizado no país. 
Dado o volume de recursos que vêm sendo colocados na economia, mais cedo ou mais tarde haverá necessidade de voltar a aplicar remédios anti-inflacionários. Mas cada coisa tem sua hora. Por enquanto, é momento de empurrar a economia para o crescimento.

 

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