terça-feira, abril 21, 2009

ESTRANHA DECISÃO

EDITORIAL

FOLHA DE SÃO PAULO - 21/04/09

Para a retomada da usina de Angra 3, governo federal deveria fazer nova licitação, e não validar processo de 1983


DEPOIS DE 23 anos de paralisação, a construção de Angra 3 será retomada nos próximos dias. A Eletronuclear prevê que em 2014 a usina poderá entrar em operação, acrescentando 1.350 MW à matriz energética nacional. Com as três plantas em funcionamento, o complexo nuclear de Angra dos Reis poderá suprir 70% da demanda energética do Estado do Rio de Janeiro.
Desde 1984, quando as obras da terceira unidade foram iniciadas -para serem interrompidas dois anos depois-, mudou a percepção sobre os benefícios e as desvantagens da utilização da energia nuclear. Poucas vozes se levantam hoje contra a retomada dessa obra.
O avanço tecnológico tornou as usinas nucleares mais seguras. Sua energia é considerada limpa, por não emitir gases responsáveis pelo efeito estufa.
A realidade mudou, mas a forma no mínimo desleixada de as autoridades lidarem com esse investimento bilionário permanece. É lamentável que o governo Lula tenha optado por não fazer novas licitações para a usina. Decidiu, em vez disso, revalidar a concorrência vencida pela construtora Andrade Gutierrez em 1983, no governo de João Baptista Figueiredo (1979-1985).
A decisão coloca sob questionamento uma das maiores obras da atual administração, que deverá consumir R$ 7,3 bilhões. Empresas concorrentes, decerto interessadas no contrato, argumentam que, desde 1983, houve um avanço tecnológico capaz de reduzir substancialmente o custo das obras em usinas nucleares. Mas isso não foi levado em conta. Em vez de refazer a licitação, a fim de no mínimo tentar baixar o custo, o Planalto manteve os contratos das obras civis e também dos equipamentos a serem adquiridos no exterior.
Em dólares, o valor pulou de US$ 1,8 bilhão para cerca de US$ 3,3 bilhões, aproximadamente. A Eletronuclear afirma que tal aumento resulta exclusivamente da variação cambial. Mas, de todo modo, não procurou reduzir o desembolso do contribuinte, mediante nova concorrência.
Ao avaliar o tema, em setembro de 2008, o plenário do TCU não impediu a revalidação dos contratos. Apontou "indícios de irregularidade grave", mas curiosamente não recomendou a paralisação do empreendimento.
Há razões de sobra para que a licitação seja refeita. A Andrade Gutierrez está entre os maiores doadores eleitorais do PT. Em 2008, o braço de telefonia do grupo, a AG Telecom, foi beneficiado pelo decreto presidencial que permitiu a fusão das empresas de telefonia Brasil Telecom e Oi/Telemar. Da fusão surgiu a gigante BrOi, da qual a construtora é uma das controladoras.
A maior parte do custo de uma usina nuclear está na sua construção, e não na operação. O prejuízo de adiar as obras para a reavaliação contratual seria pequeno diante de montantes tão elevados. Se a revisão não for feita, a história acidentada da implantação da energia nuclear no país poderá ganhar novos desdobramentos. A decisão provavelmente será contestada na Justiça.

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