sábado, março 14, 2009

VEJA E LEIA

REVISTA VEJA

Brasil
Ele é um canhão à solta

O delegado Protógenes Queiroz disse ao Ministério Público
que a Operação Satiagraha foi uma missão "determinada pela
Presidência da República" e que o juiz e o procurador 
do caso sabiam da participação da Abin


Expedito Filho

Montagem sobre fotos de Alexandro/JC e Ichiro Guerra

COMANDO
Protógenes alega em depoimento oficial que as ordens vieram de cima

Em setembro do ano passado, duas semanas depois de revelados os primeiros abusos na, de outra forma bem-sucedida, operação que levou à condenação do ex-banqueiro Daniel Dantas, o delegado Protógenes Queiroz foi espontaneamente à Procuradoria da República dar sua versão sobre o caso. Ele negou ter cometido ilegalidades, mas fez uma revelação que, se verdadeira, pode vir a ter consequências graves. Protógenes disse à Procuradoria que a operação não foi uma ação comum, mas o desfecho policial de uma investigação sigilosa que teria sido realizada "por determinação da Presidência da República". Protógenes não disse que recebeu ordens para gram-pear telefones sem autorização ou para espionar a vida privada e profissional de ministros, políticos, juízes, advogados e jornalistas – o que efetivamente ocorreu no decorrer da operação. Ao localizar a origem das ordens para a investigação no Palácio do Planalto, o delegado aventa a hipótese da criação de uma incomum e ilegal cadeia de comando que, como mostra a história, só existe regularmente em ditaduras e, sempre com resultados funestos, em alguns poucos regimes democráticos. Protógenes contou à Procuradoria que as ordens de cima chegavam até ele por intermédio do então chefe do serviço secreto brasileiro, delegado Paulo Lacerda, que dirigiu a Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, até ser afastado há três meses em consequência das irregularidades hierárquicas e de procedimento da operação comandada pelo delegado Protógenes.

O depoimento de Protógenes Queiroz à Procuradoria-Geral da República, ao qual VEJA teve acesso, traz uma segunda revelação incômoda. O delegado afirma que a atuação dos mais de oitenta espiões da Abin no caso era do conhecimento do juiz federal Fausto de Sanctis e do procurador da República Rodrigo de Grandis. Alguém está mentindo. O juiz e o procurador já negaram publicamente ter tido conhecimento da participação dos agentes secretos do governo – embora ambos tenham ponderado que não haveria nenhuma irregularidade na hipótese de uma eventual "colaboração informal" da Abin. Protógenes também afirmou à Procuradoria que o pedido de ajuda à Abin "não foi formal", mas "verbal", e que esse tipo de coordenação entre policiais e espiões do governo "é comum". No campo das formalidades, não haveria o que reparar no caso. Ocorre que, no tempo decorrido entre o depoimento de Protógenes à Procuradoria e a semana passada, ficou patente que:

1) a participação dos espiões da Abin foi muito mais intensa do que uma simples colaboração;

2) os agentes da Abin foram acionados para dar a forma de relatório a escutas telefônicas legais e ilegais;

3) eles seguiram autoridades e vigiaram suspeitos.

Se o juiz e o procurador estavam real-mente cientes do grau de envolvimento da Abin, como revelou o delegado Protógenes, no mínimo desnuda-se a existência de um consórcio de autoridades judiciárias que em nome de um objetivo é capaz de atropelar as leis sem nenhum constrangimento. A hipótese de o juiz e o procurador terem sido enganados é mais grave. Nessa eventualidade, ficaria evidente que um grupo de policiais e espiões oficiais operou no Brasil sem o conhecimento nem o aval da Justiça, alegando estar sob ordens da Presidência da República. A primeira perplexidade que decorre disso tudo é que, se, para prender e condenar um banqueiro acusado de corrupção, o estado brasileiro precisa montar um esquema clandestino de espionagem, a administração vai de mal a pior. A segunda beira o impensável. Se o objetivo não foi prender e condenar por corrupção o banqueiro bilionário, mas apenas usar isso como pretexto para espionar cidadãos, a administração federal deve ao Brasil um rosário de explicações.

OFICIAL
No depoimento, o delegado diz que o comando foi dado pelo chefe do serviço secreto do governo

Prorrogada por mais sessenta dias, a CPI dos Grampos é o foro próprio para que essas perguntas sejam feitas e respondidas. A comissão quase encerrou seus trabalhos de maneira melancólica há duas semanas. Isso só não ocorreu porque veio à luz parte do conteúdo dos arquivos de computador de Protógenes Queiroz apreendidos pela corregedoria da Polícia Federal. Publicado por VEJA, o material demonstrou que a equipe do delegado espionou ministros do governo, entre eles a poderosa Dilma Rousseff e Mangabeira Unger, senadores, juízes, jornalistas e advogados. Em um depoimento anexado ao inquérito que investiga o delegado, o agente da Abin Lúcio Fábio Godoy aparece dizendo ter ouvido do delegado Protógenes que a operação contra o ex-banqueiro Daniel Dantas atendia a interesse do presidente Lula, cujo filho Fábio Luís da Silva, o Lulinha, "teria sido cooptado pela organização criminosa". O governo decidiu não comentar o depoimento.

Oficialmente, dos alvos de Protógenes apenas se pronunciou a ministra Dilma Rousseff, que teve detalhes de sua vida pessoal descritos em um relatório no computador do delegado. Disse que não teme escutas telefônicas – embora não haja evidência de que tenha sido vítima disso – e que as informações publicadas sobre ela não seriam verdadeiras. A espionagem clandestina do delegado foi discutida na reunião de segunda-feira entre Lula e seus principais assessores. Protógenes Queiroz, vez por outra, manda recados de que ainda possui informações guardadas que podem constranger seus alvos. Na semana passada, ao ser informado sobre sua convocação para um novo depoimento à CPI, ele disse que, quando isso acontecer, pretende "dar nome aos bois". Em se tratando de Protógenes, pode ser blefe, pode ser um surto, pode até ser verdade. A extensão da espionagem chefiada pelo policial permite qualquer uma das hipóteses, já que ele investigou legal e ilegalmente um número muito grande de pessoas.

Fotos Beto Barata/AE e Andre Dusek/AE

ESPIÃO 
O presidente da CPI, deputado Marcelo Itagiba (à dir.), quer o indiciamento de Paulo Lacerda por falso testemunho

Na semana passada, indagado sobre a suposição de que teria recebido ordens do presidente da República para investigar o banqueiro Daniel Dantas, Protógenes reagiu da maneira surrealista que o caracteriza. Primeiro, tentou desconversar, deixando pairar a dúvida sobre o possível papel de Lula no episódio. Disse o delegado: "Acredito que o presidente saiba responder melhor do que eu". Depois, em uma palestra para estudantes universitários em Goiás, afirmou que não fazia "parte de nenhuma guarda pretoriana a trabalho de algum governo". Vários agentes da Abin, porém, disseram em seus depoimentos a diversas autoridades que o delegado sempre lhes lembrava que aquilo se tratava de uma "missão presidencial". Ele mesmo chegou a divulgar, em julho do ano passado, uma nota reafirmando essa versão. No depoimento prestado à Procuradoria da República, Protógenes foi ainda mais explícito ao dizer que a "operação era uma missão determinada pela Presidência da República ao DPF (delegado da Polícia Federal) Paulo Lacerda, tendo em vista informações repassadas pela Abin". Obviamente, as declarações oficiais e extraoficiais do delegado Protógenes não são prova da existência de uma impensável cadeia de comando que tenha no topo o presidente da República. Por suas ruinosas consequências institucionais, o melhor que pode ocorrer é que sejam mais um blefe dos tantos que o policial fez no decorrer e depois da operação que lhe foi confiada.

Fotos Patricia Stavis/Folha Imagem e Henrique Manreza/Folha Imagem

VERDADE OU MENTIRA?
O juiz Fausto de Sanctis (à esq.) e o procurador Rodrigo de Grandis, segundo depoimento do delegado Protógenes, sabiam da ação da Abin

Os técnicos da CPI dos Grampos estão desde a semana passada debruçados sobre o material apreendido com Protógenes Queiroz. "O conteúdo dos computadores é nitroglicerina pura e mostra que a operação realmente não tinha nenhum limite ou controle", diz o deputado Raul Jungmann (PPS-PE). Nesta semana, integrantes da comissão irão a São Paulo para uma audiência com o juiz Ali Mazloum, o responsável pelo inquérito que investiga a espionagem clandestina do delegado Protógenes. Os parlamentares vão solicitar cópias de laudos e relatórios em poder da Justiça. Os deputados também pretendem ouvir mais uma vez o juiz Fausto de Sanctis, para tentar saber dele até que ponto o delegado o mantinha informado da participação da Abin durante a realização da Operação Satiagraha. Em depoimento à CPI, em agosto do ano passado, o juiz disse que desconhecia os detalhes da ação dos es-piões do governo: "Sobre a participação da Abin, eu também não tenho como responder, é fato concreto. Isso vai chegar provavelmente ao meu conhecimento. Se isso tudo é verdade, vou ter de apreciar futuramente". Indagado sobre o mesmo tema, o procurador Rodrigo de Grandis foi taxativo. "Não, eu não sabia", disse. O presidente da comissão, deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), acredita que, com a nova prorrogação, será possível desvendar a cadeia de comando que permitiu ao delegado Protógenes montar sua rede de espionagem. Disse Itagiba: "Espero que esta prorrogação represente a consolidação dos elementos de condenação do ex-banqueiro Daniel Dantas e sirva também para indiciar Paulo Lacerda, Protógenes Queiroz e a antiga direção da Abin".


Fotos Celso Junior/André Dusek/Ronaldo Bernardi/Ag. Rbs/AE/Eduardo Knapp/Folha Imagem

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