sexta-feira, março 27, 2009

MÍRIAM LEITÃO

Sem mercado


O GLOBO - 27/03/09

O caso da Petrobras e o preço dos combustíveis é mais sério do que parece. Não é saber se cai ou não o preço da gasolina, é que o episódio mostrou a enorme distorção desse mercado no país. A empresa diz que está, agora, recuperando o prejuízo de 2008. Admite que praticou preços artificiais e entra em contradição com as explicações de que a queda do dólar tinha compensado a alta do petróleo.

No ano passado, a empresa negava que estivesse operando com prejuízo. A explicação dada, quando se perguntava por que o preço não havia subido apesar da disparada do dólar, era sempre a mesma: a de que os preços dos derivados eram decididos a partir do mix dólar-preço de petróleo. O petróleo havia subido, mas o dólar havia caído, e uma coisa teria compensado a outra. Essa semana, em depoimento no Congresso, o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, admitiu que está, agora, reduzindo o prejuízo acumulado em 2008. Estranho: a mesma empresa, a mesma direção, mas uma explicação por ano.

Se a Petrobras praticou preços abaixo do que deveria, a ponto de acumular prejuízo, ela lesou os acionistas minoritários, manipulou preços e criou barreiras à entrada. Se, agora, ela admite que está recuperando o prejuízo, confirma que os preços eram, e são, artificiais.

As duas distorções – preços abaixo ou preços acima do devido – são irmãs e resultado de um mercado sobre o qual uma empresa exerce monopólio em vários segmentos.

O advogado e professor da PUC Pedro Paulo Cristofaro mandou e-mail para a coluna dizendo que um dos “ilícitos contra a concorrência” mais difíceis de caracterizar é exatamente o de praticar preços abaixo do mercado. “Em uma situação específica, o preço abaixo do custo causa prejuízos à concorrência no mercado. Isso ocorre quando uma empresa tem condições de, vendendo por preço muito baixo, afastar concorrentes, atuais ou potenciais, do mercado. O concorrente que está no mercado sai, o que não está, não entra, pois sabe que não terá condições de manter uma atividade capaz de pagar os seus investimentos e de gerar lucros. Nesse caso, o preço muito baixo passa a ser chamado de ‘preço predatório’”, diz ele.

Aliás, lembra Cristofaro, a própria Secretaria de Acompanhamento Econômico define o que é este preço predatório como um preço imposto “por uma firma dominante, por um tempo suficientemente longo, tendo por intenção expulsar alguns rivais ou deter a entrada de outras”. Segundo a Fazenda, o objetivo desse preço predatório é “um investimento em perdas, por um determinado período de tempo, com a perspectiva de se obter retornos suficientemente altos no futuro”.

Então, se os dirigentes da empresa admitem que estão recuperando perdas, eles praticaram preços predatórios no passado. A própria SEAE diz que o preço predatório dá uma ilusão de bem estar ao consumidor, mas é temporário, porque no fim isso aumenta o poder de mercado desta empresa.

A Petrobras segue as conveniências político-eleitorais do governo e, em compensação, não tem qualquer constrangimento em área alguma, como acabou de demonstrar ao impor ao país mais alguns anos de diesel com alto teor de enxofre, a despeito da resolução do Conama.

Cristofaro se pergunta se não é o caso do Cade investigar a conduta da Petrobras. O pior é que Cade analisou e concluiu que não há indícios de preços predatórios. Um dos argumentos é que a empresa não alteraria preços em todo o país só para afastar dois pequenos concorrentes (duas pequenas refinarias que entraram com queixa). Ora, a grande questão não é em relação a quem opera no Brasil, mas é que ninguém entra num mercado em que os preços são tão artificiais e imprevisíveis.

Para o economista David Zylberstajn, o que não tem cabimento é o fato da Petrobras não ter uma política de alinhamento de preços com a cotação internacional. Segundo ele, o melhor seria criar mecanismos para reajustar os preços em momentos de alta e de baixa, dando mais transparência ao mercado

“O mais perverso da manipulação de preços é que impede a entrada de novos agentes no país. Quando a Petrobras não elevou o preço do combustível, ela praticou um dumping, e aí ninguém entraria mesmo. Agora, que seria um momento propício para as empresas entrarem, porque o preço da Petrobras está alto, ninguém se arrisca, porque ninguém tem certeza da política de preços.”

Curiosa também foi a explicação dada pela direção da empresa no Congresso, esta semana, culpando as distribuidoras. A tese é que são as distribuidoras que aumentam os preços. Como a Petrobras é dona de quase 40% do mercado de distribuição, a desculpa dada pela empresa fica ainda mais esquisita.

Quando é criticado por estar com os preços altos demais, José Sérgio Gabrielli diz que os preços “podem” cair quando a cotação internacional estabilizar. Mas a questão é que a avaliação de “estabilidade” para a direção da empresa é tão obscura quanto qualquer outra decisão da própria empresa. Os preços cairão quando for de interesse do governo, mas nada a ver com qualquer equação econômica compreensível.

Um comentário:

  1. Anônimo11:29 AM

    Quando o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, critica as distribuidoras pelas altas margens, esquece que pertence ao seu grupo aquela que abastece os postos BR.

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