domingo, março 01, 2009

AUGUSTO NUNES

SETE DIAS

Jornal do Brasil - 01/03/09

O candidato e o presidente – Enquanto Lula continua procurando culpados, Obama busca soluções

Em dezembro, a primeira página da Gazeta Mercantil destacou na manchete a informação colhida pelo repórter Júlio Ottoboni: a Embraer, descobrira o correspondente em São José dos Campos, estava prestes a demitir 4 mil funcionários. Consumada às vésperas do Carnaval, a má notícia divulgada pelo maior jornal de economia do país demorou mais de um mês para chegar oficialmente ao presidente Lula, levada por sindicalistas à caça de socorro para o que o jornalista Elio Gaspari batizou de Massacre da Embraer.

"É um absurdo que uma empresa que recebeu recursos do BNDES ao longo dos últimos anos, ao primeiro sinal de problemas, promova esse enorme corte sem uma única conversa com alguém do governo, sem nos procurar", surpreendeu-se – surpreendentemente – um governante que vive fingindo ignorar o que é melhor não saber. Foi assim, por exemplo, com o mensalão ou com o apagão aéreo. Assim seria agora se não existisse no meio do caminho uma pedra de papel: a primeira página da Gazeta Mercantil.

Lula, como se sabe, evita ler jornais "por problemas de azia". Mas é difícil acreditar que a informação tenha sido excluída da sinopse montada pelo ministro Franklin Martins e pela assessora Clara Ant, encarregados de selecionar o que o chefe deve saber. Há outra hipótese: Lula caiu na vigarice que não deu certo com a Gazeta.

Os exemplares com a informação incômoda começavam a ser distribuídos quando diretores da Embraer chegaram ao prédio do jornal com um dossiê que, além de desmentir a degola agora efetivada, pretendia transformar o autor da reportagem num inimigo jurado da empresa. A chefia da Gazeta não perdeu tempo com a fantasia.

Provavelmente, Lula preferiu acreditar que o patíbulo erguido na fábrica em São José dos Campos era enfeite carnavalesco. De volta da Sapucaí, convocou os autores da degola para encenar no Planalto o segundo ato da farsa. Quis saber por que a Embraer deixara de surfar na marolinha. Ouviu que as coisas andam feias e vão piorar.

Lula pediu aos artistas convidados que mantivessem os empregos existentes. Os visitantes prometeram não demitir mais ninguém – "por enquanto", ressalvaram. Como o anfitrião parecia bem menos indignado que na conversa com os sindicalistas, os comandantes da Embraer lembraram que 6 mil vagas foram abertas nos dois últimos anos. Ainda há um saldo de 2 mil.

Enquanto o presidente brasileiro procura culpados para os estragos provocados pelo que foi uma coisa de Bush, Barack Obama busca soluções para a crise herdada do Grande Satã de Lula. Um quer ganhar a guerra contra um inimigo de dimensões colossais. Outro quer ganhar a eleição. Obama tenta reduzir os ganhos dos grandes executivos, cortar privilégios fiscais dos mais ricos, diminuir gastos públicos. Lula se esforça para convencer o eleitorado de que não tem nada com isso. Aponta um pecador por dia. Não pune nenhum.

A crise não parou para aplaudir o desfile das escolas de samba. Tampouco pretende descansar nos próximos meses. Desça do palanque, companheiro.

PMDB confirma o que disse Jarbas

E os nomes?, cobraram jornalistas confrontados com as denúncias enfileiradas pelo senador Jarbas Vasconcelos na entrevista à Veja. E os fatos?, fizeram de conta que de nada sabiam líderes do PMDB, qualificado de "corrupto" pelo pernambucano que ajudou a fundá-lo. Até o PSOL, nascido e criado longe da roubalheira, pediu a Jarbas a identificação de delinquentes pendurados há anos no noticiário político-policial. E mesmo o senador Pedro Simon, comprovadamente honesto, ressalvou que não há diferenças notáveis entre o PMDB e outros partidos. Existem corruptos em quase todos, certo. Mas em nenhum é tão grande e guloso o viveiro dos fora-da-lei, confirmou mais uma tentativa de assalto à Fundação Real Grandeza.

De novo, o bando liderado pelo peemedebista Edison Lobão, ministro de Minas e Energia, tentou assumir o controle do fundo de pensão que administra R$ 6,3 bilhões em recursos previdenciários de duas empresas, Furnas e Eletronuclear. A reação dos funcionários forçou o presidente Lula a impedir a consumação da manobra que afastaria da Real Grande o presidente Sérgio Fontes, chefe da equipe que tirou a fundação do buraco. Os envolvidos na trama, destinada a anexar a instituição à fábrica de negociatas explorada pelo PMDB com a conivência do governo federal, continuam ocupando os gabinetes que um presidente comprometido com a decência já teria confiscado. E ninguém pediu desculpas a Jarbas.

Os recordistas da gastança em ação

Orçados em R$ 409 milhões, os Jogos Pan-Americanos do Rio custaram R$ 3,7 bilhões – quase 10 vezes mais. Ninguém terá o direito de espantar-se caso a Olimpíada de 2016 – orçada em R$ 28,8 bilhões pela mesma equipe que bateu em 2007 o recorde mundial de salto sobre o dinheiro público – supere a escandalosa marca dos R$ 200 bilhões. A gastança dos cabos eleitorais avisa que a turma está pronta para chegar lá.

Segundo o projeto oficial, os contribuintes pagarão R$ 23,2 bilhões – investidos, claro, "em infraestrutura e serviços públicos". Se o crime for consumado, estará provado que não há limites nem para o cinismo dos que tungam nem para a idiotia dos tungados.

Evo vai à Rússia e vê a União Soviética

Primeiro presidente boliviano a visitar Moscou, Evo Morales tornou-se também o único governante do planeta a visitar no terceiro milênio a União Soviética do século passado. "A revolução socialista de 1917 tem enormes coincidências com o processo hoje vivido pela Bolívia", contou Morales na entrevista coletiva concedida ao regressar a La Paz. Entre as muitas semelhanças, o passageiro do tempo enxergou claramente duas bandeiras comuns. "Os revolucionários lutaram contra o racismo e contra o fascismo", revelou o vice-líder bolivariano. Lenin morreu sem saber das duas batalhas que Morales travou por ele. E Mussolini morreu sem saber que o fascismo já existia na Rússia quando achou tê-lo inventado na Itália dos anos 30.

E o mundo só agora ficou sabendo que a Guerra Fria continua – e ameaça ganhar dimensões medonhas na frente cucaracha. "Os grandes processos de libertação da América Latina serão fortalecidos pelo retorno da Rússia à região", informou o viajante, bastante animado com os acordos de cooperação militar fechados com o camarada Dmitri Medvedev. Graças à generosidade do anfitrião, as Forças Armadas da nação vizinha estarão prontas para encarar o imperialismo ianque. A Aeronáutica terá até helicópteros de combate. E o país pode contar com mesadas dos russos para enfrentar a crise financeira fabricada pelos americanos. A União Soviética só fingiu ter morrido. Mora na Bolívia, mais viva que nunca.

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