sexta-feira, fevereiro 27, 2009

JÂNIO DE FREITAS

A bandidagem

Folha de São Paulo - 27/02/09


AO MENOS por ora, Lula sustou um escândalo explosivo que teria como palco o grande cofre do fundo de pensão Real Grandeza, mas ficou só no passo inicial. Com isso, o comprometimento indireto do seu governo e dele próprio com as causas do escândalo, por nomeações "políticas" que têm fins além da política, torna-se direto, claro e acima dos demais. A menos que não se limite a desautorizar o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e o afaste por ser o operador confesso, no governo, da entrega dos R$ 6,5 bilhões do fundo à manipulação de um grupo do PMDB, digamos por delicadeza, fisiológico.
O ponto de partida para a compreensão básica do episódio é o conhecimento de que os grandes fundos de pensão, como o Real Grandeza dos funcionários e pensionistas de Furnas Centrais Elétricas, rendem fortunas aos grupos que os dirijam sem escrúpulos. Há bancos e corretoras sempre prontos a grandes recompensas aos que lhes destinem boas fatias dos bilhões de um fundo, na movimentação diária que faz em aplicações de Bolsa e participações acionárias.
Nomeado presidente de Furnas por indicação do PMDB, para substituir dirigentes do Real Grandeza por também indicados do PMDB, o ex-prefeito carioca Luiz Paulo Conde foi derrotado em duas tentativas (2007 e 2008) de substituí-los. Venceu-o o movimento de resistência dos funcionários da estatal. Conde poderia ter encerrado com mais compostura a sua vida pública, afastado dela e da presidência de Furnas pela força de um câncer. Por indicação do mesmo PMDB e com o mesmo objetivo, substituiu-o Carlos Nadalutti Filho, que montou a operação a ser afinal consumada ontem, em reunião do conselho deliberativo de Furnas. Mas suspensa por Lula, já à última hora, sob intenso movimento público de resistência dos filiados ao Real Grandeza e forte noticiário de parte da imprensa.
Antes, porém, Carlos Nadalutti Filho até prestara um serviço como presidente de Furnas. Com o chão esquentando sob seus pés nos últimos dias, não fez cerimônia para afirmar que tudo, o que incluía substituições aberrantes no conselho deliberativo para a reunião, era feito "por orientação do ministro Edison Lobão". Mais explícito, impossível.
Pouco antes da intervenção de Lula, que lhe coube divulgar e justificar, Lobão tratou de lançar acusações aos dirigentes do Real Grandeza que esperava ver logo afastados, declarações que se prestavam a confundir e aplacar as prováveis reações da imprensa. Atribuiu-lhes uma alteração de estatuto para permanecerem na direção, quererem fazer "uma grande safadeza" e constituírem "uma completa bandidagem". Não seria o caso, em se tratando de sua área, de pôr-lhe a palavra em dúvida.
Mas a modificação de estatuto não foi feita sob a diretoria atual, foi da antecessora. Apesar da crise, como Elvira Lobato mostrou na Folha, em 2008 o Real Grandeza obteve lucro, quando a média do setor foi de 0,7% negativo. As contas deixadas pela diretoria anterior registravam perdas enormes, e foram recompostas.
Lula tergiversou por dois meses e afinal cedeu à nomeação absurda do arquiteto Luiz Paulo Conde; cedeu à nomeação de Carlos Nadalutti Filho, e não opôs iniciativa alguma contra as duas tentativas anteriores de golpe no Real Grandeza. Em último caso diante das circunstâncias, agora tomou a meia medida de sustar a substituição. Para assumir a responsabilidade presidencial, e afastar o ministro comprometido com uma articulação que o próprio presidente precisou sustar, Lula teria que contrariar a banda ultrafisiológica do PMDB. A qual integra a "base governista", ou seja, é sua aliada e companheira. Não faz o seu gênero, apesar da bandidagem.

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