domingo, fevereiro 15, 2009

ÉLIO GASPARI

Sem samba-enredo, Lula é um perigo
O Estado de São Paulo-15/02/09


Nosso Guia não se achou na crise, mas pensa que pode dizer o que quiser, pois bobos são os outros

O PROCESSADOR de Lula está sobrecarregado. Têm sido frequentes os seus momentos de impaciência e mau humor na rotina do palácio. Obrigado a trocar o triunfalismo do pré-sal e da "marolinha" pelas dificuldades da crise econômica, Nosso Guia está sem agenda.
Há um indicador seguro para medir o aquecimento da placa de Lula. Sem assunto, ele retoma o discurso do nós-contra-eles e vai-se embora pra Pasárgada, onde "a existência é uma aventura".
Durante seu discurso para cerca de 4.000 prefeitos reunidos em Brasília, Nosso Guia ofendeu a inteligência alheia duas vezes. Na primeira fez uma piada à la Maria Antonieta: "Nós cortaremos o batom da dona Dilma, o meu corte de unhas, mas não cortaremos nenhuma obra do PAC". Lula estava num evento onde estima-se que o governo gastou R$ 240 mil.
Uma manicure de Lula contou que cortava suas unhas duas vezes por mês. Estimando-se que deixe boas gorjetas, Nosso Guia queima R$ 1.000 anuais nesse conforto. Se dona Dilma usar um batom caro (Sisley), gastará, no exagero, outros R$ 1.000. Portanto, só para custear o convescote dos prefeitos, Lula e Dilma precisariam cortar 120 anos de bem-estar.
A vinheta foi apenas uma tirada boba, mas o segundo atentado foi malévolo e enfático. Dirigindo-se ao prefeito Gilberto Kassab, de São Paulo, disse o seguinte: "Você vai cair da cadeira. Você não sabe e eu não sabia, mas no Estado de São Paulo nós ainda temos 10% de analfabetos no Brasil".
A taxa de analfabetismo em São Paulo está em 4,6%, metade do índice nacional. Lula viajou na planilha. São Paulo abriga 10% dos analfabetos do país, o que, pelo tamanho do Estado, não chega a ser motivo para cair da cadeira. (São Paulo tem 36% da frota nacional de veículos.)
Essa foi a quarta vez que o governo de Lula atropelou a boa norma para criticar a rede de ensino paulista. Ela não é uma esquadra inglesa, mas o governo insiste nos golpes baixos. Já divulgou indicadores misturando metodologias, embaralhou notas da Prova Brasil e apresentou listas de desempenho contaminadas por dados errados. Em duas ocasiões as lorotas coincidiram com as campanhas eleitorais.
Um companheiro dizendo tolices não é um grande problema. Um presidente capaz de fazer campanha dizendo não importa o quê, indica que 2010 será um ano feroz.

O INGLÊS VÊ A "FAVELA" DE UM JEITO NOVO

A revista "The Economist" insiste: surgiu no mundo uma nova classe e o Brasil é um desses países onde esse fenômeno tornou-se mais visível. Falando de Pindorama, menciona com gosto a inauguração de uma filial das Casas Bahia no bairro paulistano de Paraisópolis.
Há duas semanas, Paraisópolis estava nos jornais tratado como se fosse uma perigosa favela, antro de traficantes, justamente ocupada por uma polícia que obrigava moradores a se identificar. O que é Paraisópolis, um bairro habitado pela classe média emergente da "Economist", ou uma "fábrica de produzir marginal", como o governador Sérgio Cabral já chamou a Rocinha?
Programas de regularização fundiária criaram um mercado de imóveis no local e já ocorreram transações com valores superiores a R$ 100 mil. Oito escolas juntam 6.000 jovens. Números semelhantes podem ser achados em quase todos os bairros da periferia da sociedade brasileira. São fábricas de classe média.
Um barão brasileiro que visitasse os subúrbios de Londres na metade do século 19 veria um favelão. Era a desordem social e urbana da revolução industrial. Felizmente, a cidade teve um escritor como Charles Dickens para mostrar que ali vivia o pedaço de baixo da sociedade inglesa, lembrando ao pedaço de cima que os dois formavam um só povo.

COBRA
De uma serpente, ao ver Nosso Guia na televisão falando do batom de dona Dilma e da sua manicure: "Tem certeza de que não é o Bussunda?"

FAUNA ARCAICA
O PSDB é capaz de tudo. Tem dois candidatos a presidente (José Serra e Aécio Neves) que fazem qualquer coisa para chegar ao Planalto, menos oposição.
Na hora de discutir o comportamento do governo, quem vai para o microfone é Fernando Henrique Cardoso. É como se os republicanos pedissem a George H. W. Bush (o pai) para responder ao pacote de Barack Obama.
Pior: depois de ouvir Nosso Guia dizer que São Paulo tem 10% de analfabetos (uma obra dos 14 anos de governo tucano), Serra teve uma reação inspirada pela bonomia do papa João 23: "Foi uma menção a um número. Só que o número está errado".

RISCO ZERO
Michel Temer assumiu a presidência da Câmara dos Deputados a reboque do castelo de Edmar Moreira e perdeu a chance de liderar a iniciativa pela abertura de todas as pastas com as notas fiscais dos reembolsos cobrados à Viúva por seus colegas.
Como dizia o deputado Luís Eduardo Magalhães: "Não há o menor perigo de dar certo".

POTE DE MÁGOA
Paulo Lacerda, o ex-diretor da Polícia Federal defenestrado para um exílio dourado em Lisboa, acha que Lula jogou-o no mar, sabendo que nunca mandara grampear os outros. A tristeza de Lacerda é grande, mas ainda insuficiente para torná-lo loquaz.

JACK GENRO
Quando o governo não sabe o que fazer, tira da gaveta um projeto de reforma tributária ou de reforma política.
No ano passado veio a empulhação tributária. Foi ao arquivo. Agora apareceu o comissário Tarso Genro com um projeto de reforma política, "fatiada", para ser votada em partes. Pode-se chamá-la de "Reforma do Jack". O "Estripador" é o patrono da arte de fatiar.

FESTA EM NY
Depois de ter canalizado algumas centenas de milhares de dólares num encarte da revista "Foreign Affairs", enfeitando-o com publicidade da Petrobras, do BNDES e da Embratur, o comissariado de informações do governo prepara um novo incentivo ao mercado editorial americano. Planeja-se um festim bananeiro para acompanhar a visita de Nosso Guia a Nova York, em março.
Gastar dinheiro com publicidade em veículos sérios na busca de simpatia é uma variante do costume de jogá-lo pela janela.
O Planalto dispõe de R$ 150 milhões para promover a imagem do governo no exterior. Os arquivos do palácio informam: todas as iniciativas anteriores serviram para fazer a alegria de alguns bem-aventurados, e mais nada.
Um governo que tentou expulsar do país o correspondente do "New York Times" mostra que trocou a linha das bravatas gratuitas pela das besteiras remuneradas.

POUSO FORÇADO
Em janeiro, quando assumiu a presidência da Infraero, o brigadeiro Cleonilson Nicácio Silva trabalhava com a ideia de dispensar 395 funcionários-jabutis (alguém os pôs lá). A lista encolheu para 216. Teme-se que agora esteja em 30.

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