domingo, fevereiro 22, 2009

AUGUSTO NUNES

Sete Dias

Jornal do Brasil - 22/02/09

Festa nas cadeias – A decisão aprovada pelo STF antecipou a abertura do Carnaval dos presidiários

Por determinação do Supremo Tribunal Federal, o Carnaval deste ano começou não no fim de semana, mas numa quinta-feira, não em alguma praça ou avenida, mas nas cadeias – e mais cedo que nunca. Foi antecipado para 6 de fevereiro pelos sete ministros que acharam muito justa e muito oportuna a ideia de manter todo réu em liberdade até que o último recurso seja julgado em última instância. Terminada a sessão, foi aberta nos pátios e nas celas a festança em louvor do mais misericordioso dos tribunais.

Na quinta-feira seguinte, o bloco dos presidiários foi autorizado pelo STF a colocar na rua a comissão de frente, formado pelo primeiro lote de beneficiários do habeas corpus historicamente negado a réus que tiveram a condenação confirmada em segunda instância. Os cinco pioneiros representam distintas áreas de atuação da comunidade: homicídio, roubo, estupro e estelionato. Vistos em conjunto, os prontuários informam que o Supremo fez mais do que oficializar a vigência da Lei de Dantas e estendê-la a delinquentes menos classudos.

O que os sete ministros tiraram de uma dobra da toga foi a minuta da Lei Áurea dos Pecadores com-Recursos. No plural, por referir-se a bandidos com suficientes recursos financeiros para contratar advogados providos de um estoque de recursos judiciais mais que suficiente para que o processo se arraste até morrer. Bem antes do cliente.

"Não conheço nenhum país que ofereça aos réus tantos meios de recurso quanto o nosso", advertiu durante a sessão de 6 de fevereiro o ministro Joaquim Barbosa, derrotado em companhia de Ellen Gracie, Carmen Lúcia e Menezes Direito. "Se tivermos que esperar por todos", avisou inutilmente, "o processo jamais chegará ao fim".

Entre outros, Barbosa cuida do processo que resfolega em trilhas na mata para chegar ao julgamento dos 40 do Mensalão antes que a prescrição dos prazos os libere do banco dos réus. "Existe no Brasil um sistema penal de faz-de-conta", constatou. A maioria dos ministros preferiu fazer de conta que a Justiça brasileira não tarda nem falha.

Ousado e confuso como os poemas eróticos que compõe entre um pedido de vista e um pedido de aumento, o parecer de Eros Grau foi endossado por – anotem – Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello, Carlos Ayres Britto, Marco Aurélio de Mello e, claro, Gilmar Mendes. Ayres Britto sossegou a nação com o lembrete: segue em vigor a prisão em flagrante delito. E continua valendo a prisão preventiva, emendou o relator Eros Grau. Desde que a soltura do réu coloque em risco a vida dos outros, o Código Penal ou o bom andamento do processo.

Não se enquadra em nenhum desses requisitos, por exemplo, o jornalista Antônio Pimenta Neves, assassino confesso de Sandra Gomide, mas, desde 6 de fevereiro, inocente até o último recurso. Tampouco o pai e a madrasta de Isabella Nardoni, acusados do assassinato da menina, que aguardam na cela o julgamento em primeira instância. "Ninguém mais vai ser preso", previne Barbosa. Só ficarão na cadeia os que acham que STF é algum imposto. Esses nunca viram um advogado de perto.

Não foi o senador quem mudou


Ele não disse nenhuma novidade, gaguejaram alguns jornalistas federais, grogues com a entrevista de Jarbas Vasconcelos à revista Veja. Nem o senador achou que dizia: vem denunciando a erosão moral do Senado em particular e dos políticos em geral há dois anos, desde que chegou a Brasília. Ele foi escalado para ajudar José Serra, prejudicar Dilma Rousseff e tentar impedir o crescimento da popularidade Lula, garantiram colunistas oficiais que tentam escapar da insônia agarrados à falácia segundo a qual todo mundo tem preço. Jarbas nunca esteve à venda. O senador sessentão é a continuação do jovem deputado que, há 34 anos, denunciava sem medo a ditadura militar. Ele nunca teve medo de dizer a verdade.

Milhões de brasileiros decentes oscilaram entre o espanto e o deslumbramento ao localizarem, quase completamente solitário no meio da multidão de gatunos, oportunistas, pilantras e outras abjeções, um político incorruptível, coerente, fiel a princípios éticos e morais irrevogáveis, radicalmente democrata, sem uma única mancha na biografia. Na campanha eleitoral de 1974, à frente do grupo de jovens fundadores do MDB, ele discursou em comícios que tinham mais gente no palanque que na plateia. Hoje, conta como é "um Congresso hostil aos honestos". Jarbas Vasconcelos não mudou. Mudaram, para pior, o PMDB, os demais partidos, os políticos em geral e o Brasil. Todos ficaram bem mais cafajestes.

Só não entende quem não quer


Por que o hífen foi mantido em guarda-chuva, guarda-sol e guarda-noturno? O sinalzinho não foi removido das palavras em que o primeiro elemento termina por vogal e o segundo começa por consoante? A dúvida que intrigava um leitor do Estadão foi esclarecida no dia 15 pela coluna do gramático, filólogo e imortal Evanildo Bechara, criada para socorrer os flagelados da reforma ortográfica: "O elemento guarda se inclui no que determina a Base XV do Acordo", explicou o cracaço do idioma. "Emprega-se o hífen nas palavras compostas por justaposição que não contêm formas de ligação de natureza nominal, adjetival, numeral ou verbal".

O tempo passa. Raupp vai ficando


Os casos de polícia na folha corrida do senador peemedebista Valdir Raupp, ex-governador de Rondônia, são bem mais impressionantes e vistosos que a soma de todos os discursos da tribuna. Nem por isso Raupp ficou mal na fita aos olhos dos três poderes. O presidente Lula daria um cheque em branco ao amigo e aliado. No Senado, a única punição que sofreu foi aplicada por Jarbas Vasconcelos, que o proibiu de cumprimentá-lo já faz dois anos. Fora o pernambucano sem medo, os colegas de todos os partidos tratam com respeito o ex-líder da bancada do PMDB, substituído há poucos dias por – faz sentido – Renan Calheiros. E o Poder Judiciário sempre tratou o réu Raupp com a indulgência de mãe de bandido.

Quando governava Rondônia, ele usou irregularmente R$ 21,7 milhões repassados ao estado pelo Banco Mundial. O inquérito pousou no STF em julho de 2003. Mas só em abril de 2007, depois de uma hibernação de quase quatro anos, começou o julgamento em plenário da denúncia apresentada pelo Ministério Público. Seis ministros concordaram com a abertura da ação penal. Com Raupp a 1 voto da insônia, Gilmar Mendes fez um pedido de vista. O caso dormiu dois anos na casa do ministro. Foi devolvido ao tribunal há duas semanas. Antes de recomeçar, a votação foi interditada pelo pedido de vista de Menezes Direito. Talvez não saiba mesmo o suficiente sobre o caso. Talvez saiba até demais.

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