segunda-feira, dezembro 15, 2008

RICARDO NOBLAT

O truque de sempre


O Globo - 15/12/2008
 

"Tem gente que vai se deitar rezando: Tomara que a crise pegue o Brasil para esse Lula se lascar." (Lula, como de hábito)

Tomara que, ao fim e ao cabo, Lula esteja certo, e a crise econômica que abala o mundo não passe entre nós de uma marolinha vagabunda, incapaz de ser surfada. Porque, do contrário, seremos obrigados a suportar Lula e seus aliados atribuindo a culpa pela crise aos governos anteriores e, para variar, também à mídia “irresponsável e golpista”.

 

Quanto à oposição, essa não sabe sequer tirar proveito do que se tornou uma marca do discurso oficial do governo e dos seus áulicos: a previsibilidade. Há problemas? A culpa é dos governos que antecederam o atual. O PT meteu os pés pelas mãos? PSDB e DEM meteram antes. O mensalão, por exemplo, foi algo diferente de caixa dois. No caso dele, pagou-se propina a deputados. Caixa dois é dinheiro ilegal doado a partidos.

 

Lula negou o mensalão e admitiu o caixa dois, certamente um crime perdoável aos olhos dele, e cometido por todos os partidos. O Supremo Tribunal Federal aceitou a denúncia do procurador-geral da República contra 40 mensaleiros integrantes “de uma sofisticada organização criminosa” que tentou se apossar de parte do aparelho do Estado. A denúncia distingue muito bem mensalão de caixa dois.

 

Este ano, como o governo reagiu à descoberta do mau uso do cartão de crédito corporativo? Demitiu a ministra da Igualdade Racial, que pagara com cartão as compras em um shopping de aeroporto. Em seguida, a Casa Civil da ministra Dilma Rousseff providenciou um levantamento sobre despesas sigilosas do governo Fernando Henrique Cardoso pagas com cartão. A idéia era a de sempre: se erramos, nossos adversários também erraram.

 

O discurso a ser repetido diante de um possível agravamento da crise por aqui foi testado e aprovado com louvor na semana passada, durante reunião em São Paulo de 240 dirigentes do PT de 26 estados. Ricardo Berzoini, presidente do PT, esteve presente e concordou com ele. O ex-ministro José Dirceu também. Coube ao expansivo Gleber Naime, secretário nacional de Comunicação do PT, resumir o discurso: “A crise tem pai e mãe. Ela é uma crise do modelo neoliberal, daqueles que no Brasil defenderam as idéias de desregulamentação do Estado, ou seja, o PSDB e o DEM. E esse debate o PT vai fazer. Os neoliberais perderam.”

 

Curioso, no mínimo. Com que modelo o PT governou até agora? Com o que recebeu pronto. Antes de começar a governar, havia assegurado, por meio da famosa “Carta aos brasileiros”, assinada por Lula, que não mexeria no modelo — como não mexeu. Antonio Palocci, o primeiro ministro da Fazenda, mimou Pedro Malan, a quem sucedeu. Henrique Meirelles, eleito deputado federal pelo PSDB, foi nomeado presidente do Banco Central.

 

Com o tal modelo, o governo foi bem-sucedido. A decisão de conservá-lo ajudou Lula a alcançar admiráveis 70% de aprovação popular. É pura malandragem faturar o que o modelo ofereceu de bom ou de razoável e culpar a oposição por seus graves defeitos. Quer dizer: tudo que derivou de positivo do modelo deve ser creditado unicamente ao PT e ao seu líder máximo. O que derivou de ruim, a uma oposição que mal consegue se opor.

 

A denúncia do modelo que sustentou o governo, e que foi por ele sustentado, vem acompanhada da crítica à mídia, acusada de “espetacularizar” a crise porque não gosta de Lula e do PT. Nada de original há nisso também. A mídia foi sempre apontada como inimiga do governo toda vez que algum escândalo o ameaçou. A memória coletiva é curta. Confiram nos arquivos como ela tratou os governos passados envolvidos em escândalos.

 

Das figuras políticas mais antigas ainda na ativa, somente o senador José Sarney (PMDB-AP) pode dar testemunho do que é governar de fato com a mídia toda alinhada contra ele. Nem por isso foi por fraqueza que Sarney evitou antagonizá-la. Foi por entender que é melhor para a democracia uma mídia repleta de falhas do que nenhuma mídia. A companheirada prefere uma mídia amestrada. Não terá.

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