quinta-feira, dezembro 11, 2008

NAS ENTRELINHAS

O conselho de Lula


Correio Braziliense - 11/12/2008
 


O problema para o governo é que a crise desembarca na economia real com uma velocidade surpreendente

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu aos brasileiros que continuem a comprar e a recorrer ao crédito. Segundo ele, é a melhor maneira para manter a economia em movimento e evitar que a crise financeira se agrave. Boa idéia. O único problema é que vem de alguém que mora no Palácio da Alvorada, anda de carro oficial, recebe restituição do Imposto de Renda, tem todas as despesas pagas e não deve assinar um cheque pelo menos desde 1º de janeiro de 2003. Lula não vai comprar um carro em 60 prestações, nem se comprometer com um financiamento imobiliário. E certamente não vai ter de enfrentar os juros do cheque especial. Segundo a declaração de renda que apresentou ao candidatar-se à reeleição, em 2006, seu patrimônio dobrou durante o primeiro mandato, chegando a R$ 839 mil. 

A diferença entre o Brasil real e o oficial pode ser um dos maiores obstáculos para o governo enfrentar a crise. Em resumo, o que o presidente está pedindo é que nós gastemos o nosso dinheiro para salvar a economia do país. Do ponto de vista macroeconômico, faz sentido. Mas coloca uma questão dramática: salvar o país ou o próprio bolso? Confiar no discurso otimista e enfrentar a fila do crediário neste Natal ou deixar o dinheiro guardado e preparar-se para um ano-novo que pode ser de tempestade? 

A chave para esse dilema está na capacidade do governo passar confiança ao país. E, quando se fala em governo, fala-se em Lula. Ele é a cara de sua administração e o dono do discurso. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, podem ser bons para falar a públicos específicos, mas é Lula quem se dirige ao país. Se ele conseguir convencer o Brasil de que a crise é passageira e que as coisas vão melhorar nos próximos meses, as pessoas irão às compras. Afinal, essa é a nossa vocação. Se a desconfiança dominar, cada um vai cuidar de si. 

O problema para o governo é que a crise desembarca na economia real com uma velocidade surpreendente. Planejamentos financeiros feitos para o ano que vem perdem o sentido em algumas semanas. Cada vez mais setores começam a demitir. E, quando o emprego está em risco, as pessoas tendem a adotar a postura mais cuidadosa. A última coisa que o sujeito quer é ficar sem emprego e com um monte de prestações para pagar. 

O governo tem um papel importante, e ele vai além da retórica de Lula. A manutenção dos investimentos federais é um instrumento importante para manter a economia irrigada. O mesmo acontece com a rede de benefícios sociais. O Bolsa Família se mostrou um excelente instrumento para distribuição e circulação de renda, especialmente no interior do país. A política de juros e os empréstimos oficiais são instrumentos básicos de ação do governo na economia. 

Mas tudo depende, e muito, do clima que se instalar no país. Lula vem suando a camisa para manter a confiança. Até aqui, parece estar se saindo bem. Sua popularidade continua em alta e os números da economia para o terceiro trimestre do ano foram surpreendentemente bons. O problema é que as coisas podem estar piorando, apesar disso tudo. Os próximos meses serão decisivos. 

Talvez o presidente devesse comprar uma geladeira a prazo. Vê-lo com um carnê nas mãos nos deixaria, no mínimo, com um sentimento de solidariedade. Afinal, o governo está gastando seu prestígio e a conta pode ser cobrada em 2010. 

Mudando de assunto 
No meio de tantos problemas, a passagem dos 40 anos da edição do Ato Institucional nº 5, o AI-5, pode receber menos atenção do que deveria. Seria uma pena. É uma chance para refletir sobre o país. Há quatro décadas, o governo militar fechava o Congresso e assumia seu caráter mais autoritário. As conseqüências daquele momento persistem até hoje. Um país é tão maduro quanto a sua democracia. A nossa começou a ser reconstruída há menos de duas décadas, com a volta das eleições diretas. 

Os problemas de nosso sistema político, a fragilidade dos nossos partidos e a seqüência de escândalos podem fazer parecer que avançamos muito pouco. Honestamente, discordo. Consolidamos um sistema que permite alternância no poder, eleições livres e a investigação desses escândalos. Andamos muito desde o Congresso fechado pelo AI-5.

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