domingo, dezembro 14, 2008

GAUDÊNCIO TORQUATO

A sacerdotisa, o cardeal e os bispos


O Estado de S. Paulo - 14/12/2008
 

Sob pesadas nuvens que escondem seus contornos, os horizontes de 2010 costumam ganhar o alcance da vista todas as vezes que os oráculos dos tempos modernos - as pesquisas de opinião pública - levantam os véus do futuro para satisfazer a insaciável sede do ser humano de saber se os deuses deixarão mais aberta ou mais fechada a rota de seu destino. Em se tratando do brasileiro, a curiosidade assume proporções fantásticas, eis que o ethos nacional, balizado por altas taxas de egocentrismo, usa o conhecimento sobre o que virá para ajustar condutas, preencher espaços e tirar proveito de situações. No campo da política, o exercício premonitório virou moda. Para provar que não temos nada a dever aos gregos antigos, o País acaba de ver entronizada sua profetisa, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, elevada ao templo de Oráculo pelo senador José Sarney, que, debaixo do fardão de imortal da Academia Brasileira de Letras, usa a prerrogativa da liberdade poética para batizá-la como “sacerdotisa do governo”. Deve achar que o título de “mãe do PAC” é pobre. A premonição, feita na inauguração de um trecho de rodovia, em Colinas (TO), terminou com a promessa do presidente Lula: “Vou fazer o sucessor em 2010.” A especulação, mania nacional, ganha as ruas.

Para entender melhor a nova qualificação da ministra, candidata in pectore de Lula à sua sucessão, lembremos que, nos idos da Grécia antiga, a sacerdotisa, mulher de vida irrepreensível, era escolhida para se comunicar com os deuses e trazer respostas aos consulentes sobre seu futuro, o da sua família ou da sua pátria. Um dos lugares mais venerados pelos gregos era Delfos, no golfo de Corinto, onde as mensagens de Zeus chegavam aos interessados. Sem sabermos por que o senador Sarney preferiu nomear Dilma pitonisa, em vez de guerreira, como Joana d’Arc, ou mulher do Brasil Nação, como é conhecida Anita Garibaldi, importa, agora, analisar as retas e curvas no caminho da ministra. Vale lembrar que a pesquisa Datafolha da semana passada a colocou num espaço de 7% a 12%. Trata-se de uma pontuação até desejável. A tendência recorrente em disputa eleitoral é de crescimento lento e gradual de quem está atrás e declínio de quem está muito na frente, quando a foto flagra pré-candidatos em ocasiões distantes do pleito.

Mais eficaz é avaliar eventuais impactos que cenários positivos e negativos para o País poderão acarretar aos contendores. Voltemos à simbologia grega do senador Sarney. A região do templo de Delfos era dominada por uma monstruosa cobra Píton, que impedia alguém de passar. Mas Apolo, desafiando a serpente, derrotou-a em vigoroso combate, depositando seus ossos no solo abaixo do Oráculo. Ora, há uma Píton - que recebeu de Lula o nome de “marolinha” - a impedir que a ministra Dilma chegue ao templo de Delfos, ou melhor, ao Palácio do Planalto, um dos lugares cobiçados pelos também pré-candidatos tucanos José Serra e Aécio Neves, que calibram suas possibilidades pelo front das oposições. Digamos que Lula, no papel de Apolo - encenação que toparia fazer com gosto -, domine o bicho, mesmo que este seja tão impetuoso como a “pororoca”, o encontro das águas amazônicas da crise, e pose de deus vitorioso. Sob esses louros, a premonição lulista de que fará o sucessor poderá não dar com os burros n’água, como ocorreu com a promessa de eleger Marta Suplicy prefeita de São Paulo.

Há, porém, um cardeal de reza forte que pretende orar no templo do Planalto. José Serra carrega densidade conceitual maior que a da sacerdotisa Dilma, fruto de experiência política e administrativa longa e profícua, e perfil em elevação pelo desempenho à frente do Estado mais poderoso da Federação. É evidente que as ondas (da marolinha ou da pororoca?) puxarão seu corpo para cima ou para baixo das águas eleitorais. Se a crise acarretar estragos, a ponto de mexer com o bolso dos consumidores, o clima de desconforto social deverá ampliar o eco do discurso oposicionista. A recíproca é verdadeira. Quanto menos devastação a crise provocar, Apolo e sua pré-candidata terão melhores condições de ensaiar a ópera da grandeza brasileira, cantando a letra cívica de que não se mexe em time que está ganhando. Serra simbolizaria mudança nas regras do jogo e, com a trombeta do antilulismo/petismo, poderá canalizar energias e mobilizar platéias adormecidas. O desafio que tem é o de segurar o alto índice de 41% que a pesquisa hoje lhe confere. Não será fácil.

Aécio Neves e Ciro Gomes são outros nomes aferidos pelo mesmo levantamento. Como bispos da missa presidencial - e não entra aqui juízo de valor, apenas um registro semântico/simbólico em comparação com os outros -, sua participação na cerimônia dependerá do processo de seleção dos candidatos da situação e da oposição. Aécio carrega a leveza da jovialidade, a fala da convergência, administrando com sucesso o segundo maior colégio eleitoral do País. É mais flexível na dança do que Serra, seu correligionário. Mas, como diria o maioral dos tucanos, Fernando Henrique, há uma questão de precedência. E o governador paulista, no caso, está na ponta e exibe cacife mais pesado. Resta ao mineiro abrir outras portas ou adiar a idéia de resgatar o legado que o destino tirou do avô Tancredo. Ciro figura na planilha alternativa de Lula, sendo mais uma interrogação do que afirmação. É, por enquanto, um bispo sem diocese. Quanto a Heloísa Helena, essa, sim, com jeito de Joana d’Arc, o que se pode prever é uma performance confinada aos parcos recursos e ao estreito palco de seu PSOL.

Pela ciência oracular, só as águias de Zeus poderão apontar com exatidão quem chegará ao Oráculo do Planalto. As duas serão soltas de lugares opostos na terra. Quando o vôo das duas se cruzar, ali, bem embaixo, estará o escolhido. Uns acham que o ponto exato é São Paulo, outros imaginam ser Brasília. Um grupinho aponta Belo Horizonte. Uns e outros apostam tanto na vitória quanto na derrota de Apolo para Píton.

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