terça-feira, dezembro 09, 2008

EDITORIAL: O GLOBO

Rota de perigo

O Globo - 09/12/2008
 

Na campanha de 2002, o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, teve a clarividência de assinar a Carta ao Povo Brasileiro, em que se comprometia a respeitar contratos - não dar calotes - e não colocar em prática outras propostas delirantes que acompanhavam o partido desde a fundação. Naquela encruzilhada, Lula seguiu o caminho certo, pôde reeleger-se e construir alta popularidade. Agora, com a economia em fase de contágio pela crise mundial, o presidente é colocado, mais uma vez, diante de opções conflitantes, e também não pode errar. Como naquele momento, forças existentes no PT, com representantes próximos ao presidente, aconselham a adoção de medidas exóticas, tecnicamente equivocadas, capazes de colocar o país mais uma vez na rota da insolvência externa e da inflação sem controle. 

É preocupante que o secretário particular do presidente, Gilberto Carvalho, ao defender a concessão de desmesurados aumentos salariais ao funcionalismo, com o inchaço da folha também por meio de novas contratações - e tudo numa difícil conjuntura externa e interna -, justifique a farra fiscal pela necessidade de haver uma prestação de serviços de qualidade à população. É um engano. O que o serviço público necessita é de uma reforma que condicione aumentos salariais a ganhos de produtividade, à eficiência profissional, ao mérito, treinamento e avaliação. Nesse sentido, são esclarecedores os depoimentos, publicados pelo GLOBO de domingo, do ex-governador do Acre Jorge Vianna, do próprio PT, e do médico Jacob Kligerman, secretário municipal de Saúde. Vianna, no momento na iniciativa privada, e Kligerman, prestes a sair do posto, têm pontos coincidentes na crítica ao serviço público: arcaico, lento, onde a impunidade é a regra. 

Assim, quando Carvalho defende mais vagas e mais verbas para a burocracia estatal, ele apenas ajuda a consolidar o corporativismo existente nesse universo e a reafirmar a aliança político-eleitoral do PT com os servidores. Na realidade, não está em questão a qualidade no atendimento à população. 

Também são desaconselháveis essas despesas porque a economia necessita é de mais investimentos em infra-estrutura, a melhor alternativa anticíclica. Tentar inflar artificialmente a demanda pelos gastos públicos correntes, quando a conjuntura mundial é recessiva, resultará em ampliação do déficit externo, e sem que ele possa ser financiado, devido à escassez global de crédito. Logo, o real tenderá a se desvalorizar ainda mais, ampliando o impacto inflacionário nos preços internos. Portanto, não se sustenta a defesa oficial do inchaço da máquina. Falta Lula demonstrar o bom senso de 2002.

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