quarta-feira, novembro 19, 2008

REPATRIAÇÃO DE CAPITAIS

PRONTO PROJETO QUE PREVÊ REPATRIAÇÃO DE US$ 70 BI

Cristiano Romero
Valor Econômico 
 

 

Com o apoio de integrantes do governo, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) elaborou projeto de lei para estimular a repatriação de capitais que fugiram durante as sucessivas crises econômicas que abalaram o país nas últimas três décadas. A proposta, que foi protocolada ontem no Senado, prevê a concessão de incentivos fiscais para a regularização de ativos não-declarados no exterior e também para a atualização do valor de bens declarados no passado. Possibilita, ainda, a abertura no Brasil de conta bancária em moeda estrangeira.
Ruy Baron/Valor
Senador Delcídio Amaral (PT-MS): bens ou direitos no exterior poderão ser repatriados com pagamento de 8% de IR

Estima-se que algo entre US$ 65 bilhões e US$ 70 bilhões são mantidos ilegalmente por brasileiros no exterior. De acordo com o projeto de lei, quem tiver bens ou direitos no exterior e quiser repatriá-los poderá fazê-lo, pagando alíquota de apenas 8% a título de Imposto de Renda (IR). Se optar por aplicar os recursos em cotas de fundos de investimento dedicados ao financiamento de projetos de infra-estrutura, a alíquota cairá para 4%. No caso das pessoas jurídicas que possuírem bens no exterior, mas cuja existência nunca foi declarada à Receita Federal, a proposta prevê o pagamento de 10% de IR e de 8% de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

As medidas previstas no projeto do senador petista configuram uma ampla anistia tanto para contribuintes pessoas físicas quanto jurídicas. Inspiradas nas experiências de países como Itália, Alemanha, Estados Unidos e Bélgica, a proposta incentiva a regularização tributária não apenas de quem possui bens e dólares no exterior, mas também a de todos os cidadãos que possuam débitos com a Receita Federal do Brasil.

"A Itália, por meio do programa Scudo Fiscale, repatriou ? 60 bilhões. É nele onde mais nos inspiramos", disse ao Valor Delcídio Amaral. "A proposta tem como um de seus objetivos remover obstáculos que, ao longo das últimas décadas, emergiram dos planos de estabilização monetária fracassados, que quebraram regras contratuais, desrespeitaram direitos adquiridos e acarretaram incertezas jurídicas para os agentes econômicos." O senador diz que o longo período inflacionário vivido pelo país induziu poupadores e investidores a buscarem proteção contra a perda de valor da moeda nacional por meio de remessas ao exterior.

Delcídio trabalhou em sua proposta durante mais de um ano. Nesse período, incorporou sugestões do presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), Gabriel Jorge Ferreira, que, quando presidiu a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), teria formulado uma proposta para estimular a repatriação. Mais recentemente, o senador tratou intensamente do assunto com os ministros doPlanejamentoPaulo Bernardo, e da Fazenda, Guido Mantega, e com o deputado e ex-ministro Antonio Palocci (PT-SP).

"Não dá para ignorar a realidade de que há muito dinheiro de brasileiros no exterior, a descoberto do ponto de vista fiscal", comentou, em entrevista ao Valor, o ministro Paulo Bernardo. "O projeto é meritório, está bem elaborado, cercou-se de cuidados para saber que tipo de dinheiro queremos de volta ao país. Pode ajudar a trazer recursos para financiar o desenvolvimento."

A proposta do senador Delcídio Amaral não se limitar a incentivar a repatriação. Ela prevê várias medidas para regularizar toda a situação fiscal de quem está em falta com o fisco. Segundo o senador, que batizou seu projeto de "medidas de estímulo à prática de cidadania fiscal", essa foi a forma encontrada por ele para dar isonomia a todos os contribuintes, em vez de beneficiar apenas os que enviaram dinheiro ao exterior.

O projeto diz que as pessoas físicas poderão alterar a declaração de bens e direitos apresentada no exercício de 2007, acrescentando bens não-declarados anteriormente. Isso vale tanto para bens existentes no exterior quanto no Brasil. Para o patrimônio existente e não-declarado no país, o contribuinte pagará 8% de IR.

No caso do patrimônio que estiver no exterior, o contribuinte poderá fazer a nova declaração diretamente ou por meio de uma instituição financeira com sede no país ou lá fora. Para incluir os bens não-declarados, pagará alíquota de 15% de IR. O imposto será reduzido para 8%, caso ele decida internar no país, "parcial ou totalmente", os recursos declarados.

A alíquota estará sujeita ainda a uma redução de 50%, caso o contribuinte repatrie seu dinheiro para aplicá-lo em fundos de investimento dedicados a projetos de infra-estrutura. A única condição, nesse caso, será a manutenção do investimento pelo prazo mínimo de cinco anos.

De acordo com o projeto de lei do senador Delcídio Amaral, os contribuintes, também pessoas físicas, que não tiverem interesse nesses benefícios poderão atualizar os valores de bens já declarados anteriormente ao fisco. Eles poderão atualizar seus bens pelo valor de mercado até 31 de dezembro de 2007, pagando alíquota de apenas 4% de Imposto de Renda.

A proposta prevê o lançamento de um amplo programa de recuperação fiscal para pessoas físicas e jurídicas, destinado, segundo Delcídio, a regularizar a situação fiscal de contribuintes que tenham débitos com a Receita Federal, "constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa, ajuizados ou a ajuizar, com a exigibilidade (tributos que não podem ser cobrados temporariamente) suspensa ou não, inclusive, os decorrentes de falta de recolhimento de valores retidos".

Os débitos com a Receita Federal, se a proposta do senador petista for aprovado, poderão ser parcelados em até 180 prestações mensais. Além disso, serão dispensados de multa moratória e estarão sujeitos ao pagamento de juros de mora de 3% ao ano. A concessão de parcelamento, de acordo com o projeto, será feita em condições especiais - não exigirá a apresentação de garantias ou de arrolamento de bens; o fisco aceitará as garantias usadas em outras modalidades de parcelamento, como as várias versões do Refis.

O governo chegou a estudar, no primeiro mandato do presidente Lula, o envio de proposta ao Congresso, propondo estímulos fiscais para a repatriação de capitais. Sob a inspiração do então ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, o assunto foi debatido, mas nunca se transformou numa proposta concreta. Uma das razões para a desistência foi o "derretimento" da cotação do dólar frente ao real nos anos anteriores à crise financeira internacional. "Se viessem mais dólares para cá naquela época, o real teria ficado ainda mais forte e ninguém queria isso. Agora, se vierem, vão ajudar a derrubar o dólar e ajudar a economia", observou um assessor do presidente.

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