terça-feira, março 18, 2008

O GOVERNADOR QUE CAIU E SUA "DECAÍDA"
Estadão
ARNALDO JABOR

O flagrante que vitimou o governador de Nova York, revelando seu caso com a prostituta Kristen, fascinou o mundo. Por quê?

Bem... não houve uma real alegria pela vitória da moral ou da ética, não houve um regozijo pelo pecado punido. Houve, apenas, a delícia da verdade. Quando acontecem esses adultérios políticos, os rituais hipócritas do poder ficam desmoralizados, a pose cai, a proclamada ''honradez'' fica nua e um doce alívio nos toma, pois, afinal, o governador era tão fraco e ''pecador'' como todos nós. Claro que há os fundamentalistas da moral e feministas vingativas, mas, no macho comum, habita uma secreta solidariedade com o flagrado. No caso do Clinton, por exemplo, fiquei sempre do seu lado; acho apenas que ele podia ter escolhido uma estagiária melhor.

Desse governador não tive pena, pois era um inquisidor de costumes financeiros e sexuais. Aumentou a pena para quem freqüentasse prostitutas de 3 meses para 1 ano e depois se jogou na piscina do prazer. Fez tudo para ser desmascarado. Ele queria ser pego, como todo bom paranóico.

Elliot Spitzer não traiu a esposa - traiu misteriosamente a si mesmo. Traiu sua hipocrisia. Excitava-se em ser o oposto de si mesmo, era-lhe doce se refocilar na lama que condenara em júris e palanques. Deixar pistas e ''bandeiras'' por toda parte fazia parte de sua perversão.

Em sua caretice louca, ele queria saber onde estava ''sua verdade''. Ele era um repressor puritano ou um ''putanheiro''? Isso; ele queria saber quem era.

O engano da opinião pública é achar que havia ou um ou outro. Não. Os dois eram um só. No fundo, queremos o bem ou o mal. Quando os dois se juntam, há um escândalo, seguido de um alívio. Nada mais fascinante que a porta aberta do bordel, nada melhor que o buraco da fechadura. O sucesso real do BBB se deve à esperança de ver os outros na cama, transando. Os psicanalistas chamam isso de ''assistir à cena primária''

...As redes de prostituição hoje em dia (olhem na internet, irmãos...) são paraísos artificiais à disposição do mercado. Maravilhosas mulheres nos espreitam com uma promessa de felicidade infinita.

As prostitutas modernas preenchem uma necessidade do mercado de trabalho: o ritmo da produção tira o tempo do amor. Amor exige ócio, sonhos no ar, melancolias vagas, ciúmes, lágrimas. A prostituição atual é o ''fast-food'' do amor.

A prostituta moderna não tem a timidez tosca das ''mulheres-damas'' de antigamente. A prostituta moderna não se acotovela em prostíbulos acanhados (no mundo rico, claro). São executivas dos executivos. Em Nova York, elas têm cotação na ''bolsa'' do sexo. São classificadas por ''diamantes'' (diamonds). A nota máxima da gostosura é sete diamonds. Kristen era ''four diamonds''.

Elas não são mais marginais ou excluídas, a não ser em explosões de hipocrisia como esta. Elas estão no centro do sistema, como os advogados, banqueiros ou dentistas. Antes, as ''extraviadas'' eram o antônimo da santa esposa, eram uma extensão invertida do casamento e das famílias, para o pai compensar fora de casa a solidão do amor.

Hoje, elas substituem o amor romântico por seu simulacro. Além de lindas e felizes (N. Rodrigues me disse que nunca viu uma prostituta triste...), elas são o teatro, as atrizes da esposa perfeita. Satisfazem todos os desejos, não discutem a relação e, suprema alegria do machista, fingem não ter desejo além de servir. Elas clonam o amor. O papo de Pretty Woman já era; não querem ser ''salvas'' por idiota romântico nenhum - preferem uma gelada aventura pela grana. Muitas são bem-casadas e ajudam os maridos.

Antes, nossas ''pecadoras'' se escondiam pelos cantos, trêmulas de desonra. Agora não se envergonham do trabalho e não têm sentimento de culpa nenhum. Hoje, seu único pecado seria sentirem-se culpadas - o que atrapalharia sua produtividade. Conheci prostitutas sem o menor sentimento de vergonha (sim... sim... eu também já errei, irmãos...) Uma delas me deu uma aula de vida: ''Eu sou duas. Uma é real e a outra é secreta. Só que eu não sei qual é a secreta e qual a real.'' Exatamente como o governador.

Havia no velho freguês de bordéis uma vaga fantasia de recuperação das ''infelizes decaídas''. No ar dos prostíbulos flutuava a tristeza de um amor impossível. Havia uma repulsiva ''bondade'' nos fregueses d''antanho, para aplacar a própria vergonha do delito:

''Por que você caiu nessa vida?'' - perguntavam os hipócritas bordeleiros, antes do ato, se purificando.

''Ah... meu noivo me fez mal, meu pai me expulsou...'' - gemia falsamente a rapariga. ''Por que não larga esta vida?'' - sussurrava o canalha, superior e sinistro, tirando a roupa.

Por essas e outras é que elas se apaixonavam pelos cafetões boçais, que as espancavam com jubilosas bofetadas.

Hoje, elas te olham de igual para igual, ou melhor, com uma sutilíssima superioridade; fingem humildade, mas tiraram de nós o maior prazer, que era o sentimento de pureza moral em uma folga passageira - turistas limpos viajando no ''Bas-Fond'' . Hoje, elas são malhadas, aerodinâmicas, sadias.

Não sentem nada por nós; talvez algum ''nojo'' - os sujos somos nós.

Antigamente, vivíamos numa ''féerie'' de gonorréias. Hoje, elas é que temem nossas doenças. A camisinha nos exclui, nos faz ridículos, com o pênis encapotado como um cachorrinho de suéter. Com a camisinha, você é o perigo venéreo; ela, a saúde.

Antigamente, ia-se ao bordel em busca de ilusões, hoje vamos cumprir uma obrigação de prazer executivo. Antes, o homem queria sentir-se um sultão no harém. Éramos os ''sujeitos'' dos lupanares. Hoje, somos o objeto. Há um vento gelado nas saunas ''relax for men'', limpas, rápidas e eficientes como uma lanchonete.

Há algo de gélida enfermeira na moderna prostituta. Há algo de McDonald''s nos prostíbulos contemporâneos.

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