sexta-feira, abril 10, 2020

Bolsonaro no divã - NELSON MOTTA

O GLOBO - 10/04

Ele não explicou a relação entre a virilidade e a eficiência da Ciência


Entre os sentimentos humanos, desde Caim e Abel, o ciúme é o mais nocivo, o mais destrutivo e inútil, porque não traz nenhum benefício a ninguém. Até a inveja ou o ódio podem provocar reações como “ah é? então vou mostrar para essa gente quem eu sou” e estimular conquistas legítimas. Mesmo o que chamam carinhosamente de “inveja branca”, que não existe — inveja não tem cor, porque quer a cor do outro —, pode construir e estimular atitudes positivas. O ciúme, não. Porque o ciúme se alimenta do sentimento de posse e da insegurança. Pessoas seguras se garantem. Não se sentem ameaçadas. O ciumento é antes de tudo um inseguro, um fraco.

O ciúme obscurece a razão e leva a desatinos e gestos tresloucados. Não só o ciúme amoroso de homem-mulher e suas variantes. Passional, incontrolável e devastador, ele também envenena as pessoas nas relações de trabalho, de família e na luta pelo poder. Cercado pelo ciúme doentio dos filhos, Bolsonaro é um ciumento patológico, que fica cego de ódio quando se sente ameaçado por qualquer um que brilhe mais que ele e possa lhe fazer sombra e se tornar um concorrente em 2022, ele só pensa nisso.

O ciúme é proporcional à insegurança e, quando associado à paranoia e à ignorância, é nitroglicerina pura. Entre casais pode dar em morte, e na política, em assassinato cultural. Ou suicídio. Tanto simbólico como literal.

Muitas vezes, uma aparência exagerada de macheza e de superioridade esconde um secreto sentimento de inferioridade e fragilidade, que se expressa irracionalmente pelo ódio, a inveja e a violência. Quem é escravo do ciúme não pode ser superior a ninguém.

Quando foi ao encontro de eleitores quebrando o isolamento, Bolsonaro achava que estava dando uma demonstração de coragem e macheza, se misturando ao povo e “combatendo o vírus como homem e não como moleque”, mas não explicou a relação entre a virilidade e a eficiência da Ciência.

Corajoso não é quem não tem medo, esse é um idiota temerário e irresponsável; coragem é enfrentar o medo e vencê-lo.


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