domingo, março 29, 2020

Covid-19: primeiras lições, desafios e propostas - ARMÍNIO FRAGA

FOLHA DE SP - 29/03

Covid-19: primeiras lições, desafios e propostas
Para o futuro, necessidade de reforçar e aprimorar SUS precisa voltar à tona


A crise humana, social e econômica causada pelo novo coronavírus está arrasando o planeta. A economia global já caminhava para um fim de ciclo de crescimento, após uma década de dinheiro barato e suas previsíveis consequências. O Brasil, ainda muito próximo do fundo do poço, tentava sem sucesso acelerar seu crescimento. A promessa de ideias liberais na economia gerou entusiasmo na bolsa, mas predominou o clima iliberal na política, que inibiu os “espíritos animais” do investimento. Isso antes da calamidade.

Neste contexto, chegou aqui o vírus, já comprovadamente espaçoso e perigoso. A reação inicial foi de minimizar o potencial do dano. Precioso tempo de resposta foi assim perdido. Desde então o número de casos reportados exibe tendência explosiva. Temendo o colapso do sistema de saúde, estados e municípios buscaram um isolamento social formal e extenso, como se fez mundo afora, uns de chofre, outros tardia e tragicamente.
O ministro da Economia, Paulo Gudes, durante coletiva de imprensa para falar sobre medidas do governo pra conter a epidemia de Coronavírus, no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira /Folhapress

Empresas em vários setores vivem hoje um colapso em suas receitas. As pessoas vivem em estado permanente de alta ansiedade quanto a sua saúde e seu emprego. As empresas se veem forçadas a demitir, para garantir sua sobrevivência. Um quadro de terror.

Em função da real ameaça de colapso econômico, o presidente da República quer ainda adotar uma estratégia de “isolamento vertical”. Nessa estratégia, o primeiro passo seria o isolamento social radical e completo por duas semanas, prazo suficiente para identificar e isolar portadores do vírus. Os mais idosos e vulneráveis permaneceriam isolados, e os demais voltariam a trabalhar normalmente.

Mas o primeiro passo já não ocorreu, nem ocorrerá, por várias razões geográficas e sociais. Além disso, o grupo vulnerável aqui é enorme: cerca de 38% da população é idosa e/ou portadora de doenças crônicas. Uma tentativa prematura de liberação geral teria como consequência uma inaceitável mortandade. O Reino Unido foi o único país que apontou para esse caminho, mas desistiu rapidamente face à escalada do contágio.

Nos resta, portanto, uma estratégia a partir de ações em quatro grandes frentes: médica (sobretudo equipamento e hábitos), logística (que garanta o suprimento, sobretudo de alimentos, para acalmar a população), assistencial (amparando os mais pobres, agora perdendo seu ganha pão) e das empresas (ameaçadas de falência). O isolamento seria flexibilizado aos poucos, na medida em que se tenha sucesso no controle da pandemia. Assim seriam minimizados os custos humanitários e econômicos.

Houve progresso na semana que passou. Listo alguns destaques. O país vive um mutirão emergencial de preparação para o pico de demanda por leitos e equipamentos. Sociedade civil engajada aqui. Declarou-se formalmente estado de calamidade, o que permite gastos acima das metas e tetos existentes. O Banco Central tomou inúmeras providências para estimular o crédito, inclusive a criação em conjunto com o Tesouro de uma linha de crédito de R$ 45 bilhões para as pequenas e médias empresas, muitas fatalmente atingidas pela crise. O Congresso aprovou com a concordância do Executivo a distribuição R$ 600 por mês para trabalhadores do setor informal, com base em informações do Cadastro Único. Em todas essas áreas há que se zelar para que os recursos atinjam seus objetivos, pois há muita pressa.

É necessário que mais recursos sejam canalizados para a população através dos canais do Bolsa Família e de um amplo programa para cadastrar as novas vítimas da crise econômica. Enquanto isso não ocorre, transferências adicionais podem ser feitas com a necessária urgência em bases provisórias, a partir de dados do Imposto de Renda e do INSS.

Cabe mencionar a possibilidade de se criar com recursos públicos uma nova linha de crédito para as PMEs que fluiria a partir dos canais dos cartões de crédito, a um custo bem baixo e amortização apenas quando as receitas das empresas se recuperassem. Essa linha seria crucial para atingir as menores empresas, muitas informais e não cobertas pela linha já anunciada. Levo muita fé nesta alternativa que entendo está sendo explorada pelas autoridades.

Urge a definição de uma estratégia compartilhada pelas três esferas do governo. Faz muita falta um gabinete focado exclusivamente na gestão da crise no governo federal, capaz de planejar, executar e comunicar para a nação os resultados de seu trabalho.

Concluo com dois temas onde identifico mais duas lições, voltadas para o futuro. Em primeiro lugar, o papel do SUS. Antes da crise já era clara a necessidade de se reforçar e aprimorar o SUS. Agora mais do que nunca o tema precisa voltar à tona assim que possível.

Em segundo lugar, embora haja bastante espaço fiscal para responder à crise, este espaço não é infinito. Portanto, as medidas devem ser adotadas a partir de uma estratégia bem definida e transparente, para que prioridades sejam respeitadas. Uma vez adotadas as medidas urgentes, a recuperação da saúde fiscal da nação deve voltar a ser uma prioridade, dado que infelizmente nosso histórico nesse terreno é fonte de preocupação. A continuidade do processo de construção de um Estado eficaz e financeiramente equilibrado apontaria para um futuro mais próspero e justo, e daria mais espaço para as respostas à crise.

Arminio Fraga
Sócio da Gávea Investimentos, é presidente do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS).

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