quarta-feira, julho 31, 2019

O corte de cabelo fatal - MATHIAS ALENCASTRO

FOLHA DE SP - 31/07

Ao humilhar superministro francês, Bolsonaro arrisca sabotar acordo Mercosul-UE



O governo do presidente francês Emmanuel Macron é ideologicamente a favor do tratado com o Mercosul. Ele permite consolidar a aliança comercial da União Europeia, confrontada à ascensão nacionalista. O acordo também ajuda a vencer resistências internas ao projeto político de Macron, que tem na inserção internacional da França a sua principal agenda programática.

A França tem um longo histórico de pragmatismo nas relações internacionais. Raramente hesitou em colaborar com regimes autoritários no oriente médio e na África subsaariana para assegurar os seus interesses estratégicos.

Numa reviravolta inesperada, Macron se prepara para receber um dos seus maiores desafetos, Vladimir Putin, dias antes do G7 de Biarritz, marcado para 28 de agosto. Visivelmente, o presidente francês chegou à conclusão que a defesa da democracia liberal não pode interferir nos negócios.

Verdadeira instituição ambulante, o ex-socialista Jean Yves Le Drian é um dos raros superministros de Macron com autoridade política incontestável.

A sua vinda a Brasília tinha tudo para selar uma aliança entre dois governos ideologicamente antagonistas.

Bolsonaro optou por humilhar Le Drian, cancelando o encontro bilateral na última hora e surgindo logo depois, numa live, cortando o cabelo.

Diante de tal comportamento niilista, o governo francês não terá escolha senão abandonar a tentativa de aproximação com o Brasil.

Ao sentar na cadeira giratória, Bolsonaro sabotou um acordo costurado durante décadas e alienou apoio de governos europeus e latino americanos. Esse episódio será certamente lembrado como um dos momentos mais absurdos da história da diplomacia nacional.

Mathias Alencastro
Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra)

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