quarta-feira, junho 12, 2019

As consequências, entrementes... - ROSÂNGELA BITTAR

Valor Econômico - 12/06

O juiz associado ao investigador não é novidade no Brasil


Embora produtos de crime, as provas da relação funcional entre o juiz da Lava-Jato, hoje ministro Sergio Moro, e o chefe da força-tarefa da operação, procurador Deltan Dallagnol, têm valor e suas consequências imediatas já são notadas. Pelo que se pode antever, fazem mais mal a eles próprios do que às circunstâncias de seus cargos e carreiras, bem como daqueles por eles investigados e punidos.

Nesse episódio, não acontecer nada, ficar tudo por isso mesmo, é impensável. Esta é a convicção de especialistas dos meios jurídico e político. O que vem por aí, concretamente, porém, se conhecerá aos poucos. A Lava-Jato, para começar, não muda do seu atual estágio e temperatura. É jogo feito, já identificados e punidos centenas de corruptos, a cultura anti-roubo de dinheiro público se enraizando na preocupação da sociedade, formação de uma linha de combate à corrupção endêmica e muitos benefícios mais. A operação tinha perdido seu ímpeto com a saída do juiz Sergio Moro, continuará a existir, ainda que rotineiramente, diluída por outras varas, em outros Estados, um pouco mais morna.

Para o governo Jair Bolsonaro não fazem muita diferença as descobertas de agora. O benefício que Moro poderia levar a ele, em termos de popularidade e confiança, já levou. Aliás, Bolsonaro deve sua eleição, numa visão mais panorâmica, à Operação Lava-Jato e à campanha que procuradores realizaram, ao longo de cinco anos, contra os políticos em geral.

Interessa a Bolsonaro continuar mantendo Moro a seu lado não só pelo prestígio de que ainda desfruta o juiz como pela carreira política que poderão trilhar juntos. Enquanto popular e respeitado Moro for e estiver na ribalta, Bolsonaro será páreo para Lula, um ex-presidente revigorado se vier a sair da prisão. Moro fica no governo um pouco mais apagado, mas não por isso. Também porque não entregou ainda o que seria seu principal ativo para o futuro, uma ação notável na área de segurança pública.

Haverá, também, consequências na esfera legislativa. A lei do abuso de autoridade deve ser votada, entre outras iniciativas. Além dela, por exemplo, devem ressuscitar um projeto que cria a figura do juiz de instrução, que participa da investigação, determina busca e apreensão para reunir provas, mas não é o juiz que vai julgar o processo.

O Congresso, os políticos condenados e, sobretudo Lula, cuja defesa questiona exatamente a falta de isenção do juiz da Lava-Jato, o que agora teria sido comprovado, podem esperar por dias melhores. Se a tese da defesa do ex-presidente sair vitoriosa no julgamento de seu habeas corpus, no próximo dia 25, não se enxergará o fim da fila de vítimas da ação heterodoxa do juiz da Lava-Jato e do chefe da Força Tarefa. Para calcular a extensão dos pedidos de anulação de processo é preciso esperar pelo que vai acontecer com o ex-presidente.

A partir daí, várias pessoas dirão o que passaram e, também. se transformarão em vítimas do abuso dos condutores da operação. Advogados comentavam ontem um caso certo para a fila, o de Mônica Santana, mulher de João Santana, presos numa das primeiras operações da Lava-Jato. A ela destinaram apenas banho frio na cadeia, fato que parece raso a muitos mas torna-se denso no contexto atual. Muitas coisas desse tipo aparecerão, inclusive se divulgados diálogos que indiquem influência na indicação de delatores e inclusão de nomes nas investigações.

A Procuradoria-Geral da República talvez seja a instituição mais atingida pelas comprovações daquilo que já se desconfiava, que a Lava-Jato, apoiada pela sociedade de olhos fechados e abraços abertos, teve como maestro o juiz Sergio Moro e foi movida por instrumentos não irregulares, mas laterais à lei na investigação dos procuradores.

Vindo de uma sucessão de episódios que geraram discussão e desconfiança, a Procuradoria, de instância técnica, trasnformava-se rapidamente em campo de batalha política intensa. Estão aí, bem vivos, os casos mais recentes que registraram extremismo da PGR. Na operação Joesley, comandada por Rodrigo Janot, por exemplo, jogou-se aos leões o procurador Marcello Miller. Ali a instituição sentiu que andava fora dos eixos. Quando transformou-se em um poder a ser conquistado por disputa eleitoral, o sindicalismo passou a governar suas ações. Os procuradores hoje estão trabalhando para derrubar presidente da República, discutindo eleição presidencial, envolvendo-se na renovação do Parlamento, elaborando pacotes de leis. É possível imaginar tudo isso como resultado do seu trabalho, mas é possível também discutir em que momento a Constituição deu aos procuradores essas atribuições.

O segundo mais prejudicado pela revelação das provas da relação simbiótica entre juiz e investigadores é Sergio Moro. Peça fundamental para a Lava-Jato, o atual episódio revela que ele foi também o estrategista da operação, o condutor dos principais lances, consultado a cada novo passo.

Ele não é o primeiro nem será o último juiz a, no Brasil, imiscuir-se em investigação, transformar-se no que se convencionou chamar, no caso Satiagraha (onde atuaram Protógenes Queiroz, Rodrigo de Grandis e Fausto De Sanctis), de sócios ou associados na investigação. O juiz se transforma praticamente no comandante da operação, sugere caminhos, sinaliza o que vai aprovar ou desaprovar, como sugerem os diálogos entre Moro e Dallagnol.

O modelo, embora conhecido, encontrou seu cenário máximo na Lava-Jato, onde equipes de investigadores, policiais, auditores, procuradores, funcionavam sob a batuta do mesmo maestro.

Como tudo foi e é feito em nome do combate à impunidade, permitiu-se tudo e aceitou-se tudo. Até mesmo a discussão da denúncia entre investigador e juiz. A Lava-Jato foi uma fórmula quase mágica de acabar com a corrupção. Não acabou mas avançou.

As consequências da operação, no entanto, ultrapassaram o campo político e eleitoral, o que ainda não entrou na atual conta do episódio Moro-Dallagnol. Poucos se lembram de lamentar o destino das empresas que faliram, ou precisaram demitir milhares de trabalhadores e paralisar obras. Sem que fosse esboçado um mero gesto de preocupação.

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