sábado, maio 25, 2019

Os fetiches do pornô culinário - MARCOS NOGUEIRA

FOLHA DE SP - 25/05


Ovo com gema mole deixa em ponto de bala os voyeurs do pornô de comida (foto: Marcos Nogueira)


Food porn ou, em português, pornografia gastronômica. São aquelas imagens de comida lânguidas e lascivas. Elas fazem o indivíduo salivar, seu estômago roncar, suas mãos buscarem a carteira para comprar uma porcaria qualquer no mercado ou no fast-food mais próximo.

A publicidade conhece bem o pornô gourmet. Fotógrafos especializados sabem todos os truques para fazer até o hambúrguer mais muxibento parecer delicioso.

Recentemente, a produção de sacanagem foi democratizada com as câmeras de smartphone e aplicativos como o Instagram. Qualquer zé-ruela pode fotografar o macarrão com salsicha que comeu no almoço e jogar na rede. “Amateur food porn”, classificariam os “XVideos” da vida.

Ainda segundo os critérios da pornografia clássica, essa safadeza caseira fica nos domínios do softcore –erotismo sutil, quase inocente.

O pornozão pesado você encontra nos canais de vídeo especializados em receitas. Aqueles que têm uma câmera fixa que mostra do alto o preparo de uma comida qualquer. “Tastemade” é o Buttman da gastronomia; “Tasty Demais” é a Brasileirinhas.

Esses vídeos exploram alguns fetiches alimentares. Ovo é o mais conhecido. Gema mole leva o público ao êxtase. Se ela escorre no pão torrado, veja bem, eu não me responsabilizo mais pelos meus atos.

Queijo derretido é outro recurso certeiro para atiçar o voyeur de comida. As receitas desses canais usam quantidades indecentes de queijo. Quando querem chocar a sociedade conservadora, põem um brie inteiro para assar no forno.

Aí a cena final muda a perspectiva da câmera, com uma espátula que remove uma fatia da comida pronta e revela o queijo –que se estica em tiras elásticas e provocantes. É o clímax, o momento em que o internauta revira os olhinhos de puro prazer.

Qualquer coisa que derreta, escorra ou lambuze faz sucesso no pornô da gastronomia. Chocolate. Chantili. Leite condensado, ai, ai.

Assim como na pornografia sexual, a meleca é apenas insinuada. Tudo é limpo, organizado, parece fácil demais. Picar cebola não é sexy, mas é excitante ver cinco cebolas se desfazendo em um átimo pela magia da edição de vídeo.

A food porn prende a atenção, hipnotiza, desconcentra. Vicia. Antes que você perceba, já estará dependente. O dia de trabalho não rende mais. Você passa o expediente fantasiando lasanhas e bolos de carne, em vez de terminar a planilha que o chefe encomendou.

Há casos de gente infeliz que largou tudo e torrou as economias de uma vida numa faculdade de gastronomia. Para descobrir, lá adiante, que precisaria lavar a louça dessa lambança toda.

Pornografia não tem nada a ver com aquilo que a gente faz na vida real. Vale para o sexo e para a cozinha.

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