segunda-feira, setembro 19, 2016

Taxa de câmbio e crescimento econômico - CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ

O Estado de São Paulo - 19/09

Salvo em episódios recessivos, a baixa taxa de poupança torna incompatível elevar a FBC e ter superávit em conta corrente

Economistas que se intitulam novos desenvolvimentistas há muito defendem a ideia de que o real mais depreciado estimularia a exportação e a produção na indústria de transformação, elevando a taxa de lucro do setor. Assim, aumentariam tanto a poupança empresarial como os investimentos, o que geraria ganhos tecnológicos que se espalhariam pelos demais setores da economia. O resultado seria a aceleração da taxa de crescimento econômico.

Essa estratégia de crescimento é defendida no recente livro Macroeconomia Desenvolvimentista, do ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos BresserPereira, em coautoria com os professores José Luiz Oreiro e Nelson Marconi. Tentarei mostrar que ela é inadequada para o Brasil.

Poupança. Estas propostas, em geral, desconsideram a inconsistência macroeconômica entre baixo nível de poupança e geração de elevados superávits nas contas correntes com o exterior. Para entender essa inconsistência, basta examinar o significado de uma identidade básica das contas nacionais, segundo a qual o valor dos investimentos – formação bruta de ca- pital (FBC), no jargão técnico – é necessariamente igual à soma da poupança doméstica (das famílias, das empresas e do governo) com a poupança externa, esta última nada mais sendo que o saldo em conta corrente. Quando este for superavitário, o país exporta poupança, pois a absorção interna é menor do que a produção nacional; quando negativo, o país recebe poupança externa, já que consome e investe mais do que produz.

Os defensores da “saída pelo câmbio” argumentariam: “Ora, isso é apenas uma identidade, não uma relação comportamental. Se a moeda depreciada estimular as exportações e a produção, haverá crescimento da taxa de lucro, gerando mais poupança ( empresarial) para financiar o crescimento do investimento. A tal limitação da poupança seria só uma tautologia”. Não é bem assim.

Se a economia estiver operando abaixo do pleno-emprego, ou seja, se há recursos produtivos ociosos, a estratégia de elevar a FBC via depreciação cambial pode, de fato, ser bem-sucedida. As empresas, estimuladas pela maior capacidade exportadora, poderão tomar crédito para financiar o aumento dos investimentos. A produção e os lucros crescerão, bem como a poupança empresarial. Ao fim, o novo equilíbrio macroeconômico será alcançado com maior nível de produção, de investimento e, obviamente, de poupança, já que a igualdade entre os dois últimos é garantida pela identidade fundamental das contas nacionais.

Mas a situação muda completamente se não houver recursos produtivos ociosos. Aí a escassez de poupança será um obstáculo. O crescimento do investimento, induzido pelo câmbio mais atraente e pela expansão do crédito, só será possível se houver redução do consumo (aumento de poupança), dado que, por hipótese, a economia está em pleno-emprego e o produto total não pode crescer no curto prazo. Se isso não ocorrer, haverá excesso de demanda. A consistência macroeconômica se dará por aumento da inflação e/ou queda do superávit (ou aumento do déficit) em conta corrente com o exterior. Se o governo insistir na estratégia desenvolvimentista de crescimento mediante câm- bio depreciado, todo o ajuste se fará pelo crescimento da inflação, que, ao corroer o poder de compra das famílias, forçará a queda do consumo necessária para restabelecer o equilíbrio macroeconômico.

Portanto, salvo nos episódios recessivos, quando a economia opera claramente com recursos produtivos ociosos, a baixa taxa de poupança torna incompatíveis os objetivos de, simultaneamente, elevar a FBC e promover superávit em conta corrente. Dados empíricos supor- tam essa conclusão.

De fato, o crescimento da FBC no Brasil está fortemente associado a aumento do déficit em conta corrente, ou seja, elevação da poupança externa, dado que a poupança interna é baixa (14,5% do PIB, em 2015). Nos últimos 20 anos, a taxa média de poupança doméstica brasileira foi de 15,1% do PIB. Mesmo em 2010, quando a economia cresceu 7,5%, esse porcentual não alcançou 20%.

A taxa de poupança é baixa no Brasil não por questões culturais, como defendem alguns analistas, mas por falta de incentivos para poupar. O desajuste fiscal faz com que os governos, em todos os níveis federativos, registrem taxas negativas de poupança. Famílias e empresas poupam pouco por várias razões: incertezas macroeconômicas, falta de canais eficientes e confiáveis para aplicações financeiras de longo prazo, rede de proteção social generosa relativamente ao nível de renda per capita, entre outras.

Os dados internacionais são também contundentes para dar suporte ao que aqui se está defendendo. Os países que tiveram sucesso na estratégia de crescimento induzido por exportações apresentam taxas de poupança, como proporção do PIB, muito superiores à brasileira. Vale citar alguns exemplos, relativos a 2015 (no caso da China, 2014): China, 48,7%; Coreia do Sul, 35,5%; Índia, 31,8%; Cingapura, 46,1%; Japão, 24,9%; e Alemanha, 27,4%. Diante desses números, tentar replicar no Brasil os modelos exportadores dessas economias parece insensato.

Participação dos salários. Para encerrar, volto ao trabalho de BresserPereira e outros, citado no início. Segundo os autores, a depreciação cambial bem conduzida reduz os salários reais e aumenta a participação dos lucros na renda nacional. É essa a razão da elevação da poupança empresarial, que viabiliza o aumento do investimento e acelera o crescimento. Isso fornece consistência macroeconômica à proposta, mas não me parece viável politicamente. Em essência, para o sucesso desse modelo, é imperioso que os trabalhadores, e seus sindicatos, aceitem a queda inicial do salário real. O argumento é de que aceitariam, pois, no médio prazo e no longo prazo, apesar da queda de participação dos salários na renda, o seu valor real crescerá. Em outras palavras, a hipótese é de que os assalariados concordarão em sacrificar seu bem-estar no curto prazo, para colher maiores dividendos no futuro. Não é assim que a sociedade brasileira tem resolvido seus conflitos distributivos.


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