terça-feira, setembro 20, 2016

Privatizações e concessões entre o céu e o inferno - GIL CASTELLO BRANCO

O GLOBO - 20/09

As incertezas quanto ao sucesso do PPI estão atreladas ao baixo nível de confiança que o Brasil inspira



Diz o ditado popular que de boas intenções o inferno está cheio. Lembrei-me da frase quando foi anunciado na semana passada um pacote de 34 privatizações e concessões. Parte dos projetos já constava de divulgações anteriores, com pompa e circunstância, durante a gestão de Dilma.

Nesta semana, Temer e vários ministros estão em Nova York para tentar vender o peixe para investidores internacionais. Estão na prateleira aeroportos, terminais portuários, ferrovias, rodovias, usinas e distribuidoras de energia elétrica, campos de petróleo e áreas de mineração, além das empresas de saneamento básico de Rio, Pará e Rondônia. A Lotex, braço da Caixa para loterias instantâneas, também será leiloada.

Com base nas experiências malsucedidas, o governo mudou as regras do jogo. O prazo entre a publicação dos editais e os leilões, que era de até dois meses, foi ampliado para cem dias, dando mais tempo para a formação de consórcios; os editais só serão publicados após a obtenção da licença ambiental prévia; as tarifas não entrarão nos critérios de julgamento, visto que empresas ganhavam com valores irreais e, sem caixa, não tocavam as obras exigindo repactuações; as agências reguladoras, que até então participavam da elaboração dos editais, agora exercerão apenas a fiscalização, o que precisarão fazer com competência e autonomia; a Infraero não mais será imposta como parceira obrigatória dos grupos que arrematarem os aeroportos.

As empresas vencedoras nas licitações emitirão debêntures que serão adquiridas pelo BNDES (R$ 18 bilhões) e pela Caixa (R$ 12 bilhões), como forma de financiar os investidores. As novas condições de financiamento eliminam os empréstimos-ponte que eram usados até o investidor obter o crédito definitivo, o que gerava insegurança. Agora, o BNDES será mais ágil e os leilões serão realizados já com os financiamentos equacionados, envolvendo captação de recursos nos mercados interno e internacional.

O novo Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) foi recebido com otimismo, apesar de algumas críticas e muitas incertezas. Os otimistas entendem que os projetos são atraentes, as regras serão estáveis, a cultura dos atuais gestores é menos intervencionista, e as circunstâncias políticas são mais favoráveis. De fato, vários empresários diziam que, ao se sentar à mesa de negociações, a primeira pergunta dos petistas era sobre quanto iriam lucrar, consulta no mínimo curiosa para um governo que criou a “propinocracia”, expressão utilizada na semana passada pelo procurador Deltan Dallagnol.

As críticas ao PPI foram direcionadas à demora para o programa deslanchar, visto que nenhum leilão ocorrerá este ano e sequer foram detalhadas as condições oferecidas para cada negócio. Houve também insatisfações quanto à pouca ousadia do programa e ao financiamento de 80% dos empreendimentos via BNDES e Caixa — sabe-se lá em que condições. Da minha parte, prefiro um anúncio “pé no chão”, com maior agilidade e mais ousadia na execução. É evidente, porém, a necessidade do “desmame” dos empresários, acostumados aos generosos empréstimos dos bancos públicos.

A verdade é que o Estado quebrou. Se o PPI der certo, entrarão nos cofres da União cerca de R$ 24 bilhões em 2017, valor já previsto no Orçamento do próximo ano. No entanto, mesmo com esses recursos, o rombo fiscal estimado é de R$ 139 bilhões. E, acreditem, pode ser maior...

As incertezas quanto ao sucesso do PPI estão atreladas ao baixo nível de confiança que o Brasil inspira. Várias empresas brasileiras que costumam integrar consórcios estão no olho do furacão da Lava-Jato. As agências de risco rebaixaram o país recentemente. A credibilidade no reequilíbrio das contas públicas só será restabelecida se o Congresso aprovar a essência da PEC do teto para os gastos públicos e uma ampla reforma da Previdência. A meia-sola nesses temas será um péssimo sinal. Ademais, as condições macroeconômicas terão que permitir a queda da taxa básica de juros pois, no patamar de 14,25%, muitos investidores irão preferir manter o dinheiro aplicado no mercado financeiro. Para não falar no Custo Brasil e no “risco Lava-Jato”, com efeitos imprevisíveis sobre o próprio governo.

Enfim, o secretário-executivo do PPI, Moreira Franco está entre o céu é o inferno. Se conseguir fazer decolar esses e outros projetos de privatizações e concessões, dará contribuição relevante não só para o ajuste fiscal de curto prazo, mas também para otimizar a atividade produtiva. Se não conseguir, será mais um “bem intencionado” a ir para o inferno.

Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas

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