sábado, julho 02, 2016

Refém do Corporativismo - RONALDO CAIADO

FOLHA DE SP - 02/07

O Brasil tem sido, já há alguns anos, refém do corporativismo sindical. Em contraste com o colossal contingente de quase 12 milhões de desempregados, que não tem quem o defenda, os que se abrigam sob o guarda-chuva corporativo veem o país a partir do próprio umbigo –e reivindicam aumentos salariais como se a economia estivesse em plena normalidade. Mas está na UTI.

Ninguém, em circunstâncias normais, é contra repor perdas salariais. A crise atinge a todos: leva Estados à falência, faz com que o país perca grau de investimento, fecha empresas e gera desemprego em escala jamais vista. Serão 14 milhões até o fim do ano. Multiplique-se essa cifra por cinco –média das famílias brasileiras– e chegamos a 70 milhões de brasileiros sem ganha-pão.

Mesmo assim, o governo Temer decidiu ceder à pressão e conceder aumentos a diversas carreiras do serviço público. A Câmara dos Deputados não opôs resistência. Mas o Senado está determinado a ser a última bastilha em defesa do bom senso da economia e também da justiça social –pois é disso que, no fundo, se trata: optar pelos desvalidos.

Os aumentos –que montam a R$ 58 bilhões até 2019– foram negociados ao tempo da presiden- te afastada, Dilma Rousseff, mas nem ela teve a audácia de encaminhá-los ao Congresso. Não é acei- tável que o governo que a substituiu o faça e comprometa o processo de saneamento da economia. As despesas decorrentes dessa iniciativa, segundo se argumenta, já estavam embutidas no deficit do Orçamento de 2017, que é de estratosféricos R$ 170 bilhões.

Ora, o fato de haver autorização não legitima a despesa. A lei orçamentária brasileira é autorizati- va, e não impositiva. E o que está em pauta é decidir se vamos atender a uma massa de desprovidos de tudo –e, portanto, sem salário, sem aumento, sem meios de pressão– ou se atenderemos aos que, mes- mo com perdas salariais, detêm o patrimônio inigualável da estabilidade funcional.

O cobertor financeiro é curto; não dá para todos. Ou atendemos quem não tem nada ou os que já têm a sobrevivência garantida. Minha prioridade são os desempregados. Não têm lobistas ou recursos para vir a Brasília e pressionar fisicamente os parlamentares. E dependem da redução do deficit, premissa para que a economia se recupere e os empregos voltem. O argumento de que tais despesas já estão no deficit contribui apenas para perenizá-lo.

O único aumento admissível foi o dos servidores do Judiciário, que há nove anos estavam sem reposição. Além disso, há, no Orçamento daquele Poder, espaço fiscal para absorver a conta sem onerar o Tesouro. As demais carreiras não apresentam essa especificidade. Por isso, o Senado não deve contemplá-las.

O país pede sacrifícios a todos –e todos, de algum modo, estão a atendê-lo. Não é justo que o próprio Estado descumpra o que pede aos demais. Não é por outro motivo que o governo anterior está sendo submetido a um processo de impeachment: leviandade com as contas públicas. Não há justiça social sem verba.

A gastança arruinou o país, e a expectativa é que o governo Temer imponha outro paradigma, de austeridade, nos termos do que inicialmente projetou a equipe do ministro Henrique Meirelles. Não se pode relativizar tal compromisso, o que já ocorreu em relação às dívidas dos Estados, premiando os maus gestores e punindo os bons.

Os aumentos, além do impacto direto nas contas da União, provocarão efeito cascata nos Estados e nos municípios, agravando ainda mais a crise econômica. Nesse ritmo, o número de desempregados tende a aumentar e levar o país ao caos social.


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