sexta-feira, janeiro 01, 2016

O Mercosul como trava - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 01/01

"A responsabilidade pela estagnação e até pelo recuo diplomático do bloco, a partir de 2003, tem de ser debitada à aliança desastrosa do petismo e do kirchnerismo'



O Brasil tem pago um preço muito alto pelo fracasso do Mercosul, mas ninguém pode ter mais motivos de queixa do que os cidadãos uruguaios e paraguaios. Afinal, a responsabilidade pela estagnação e até pelo recuo diplomático do bloco, a partir de 2003, tem de ser debitada à aliança desastrosa do petismo e do kirchnerismo. O governo argentino pode ter sido o mais empenhado, nesse período, em fomentar o protecionismo até no comércio entre os quatro sócios originais. Mas o governo brasileiro, além de aceitar e até apoiar essa distorção, defendeu o retorno ao terceiro-mundismo e o uso de barreiras na política industrial. O acordo automotivo, uma das aberrações mais notórias, só se renovou uma porção de vezes porque Brasília aceitou as imposições da Casa Rosada.

Mais de uma vez os governos do Paraguai e do Uruguai mostraram interesse em acordos mais ambiciosos com grandes mercados. Mas predominou sempre a diplomacia das maiores economias da região. Essa aliança a favor do atraso impediu a conclusão, até agora, do acordo de livre-comércio com a União Europeia, manteve o bloco fora das dezenas de pactos bilaterais e inter-regionais celebrados em todo o mundo e limitou, portanto, a integração dos quatro países na economia global.

Tudo ficou pior – a piora é quase sempre possível – quando a diplomacia dos dois maiores sócios do Mercosul foi contaminada pelo bolivarianismo.

No caso de Buenos Aires, o contágio ainda teve um sentido prático, porque o presidente Hugo Chávez foi, durante vários anos, um dos poucos compradores de títulos do Tesouro argentino. No caso de Brasília, a grande explicação é mesmo a tola expectativa de liderança regional do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A aliança com o governo bolivariano foi desastrosa para a Petrobrás – para mencionar só um dos custos –, mas ainda facilitou o ingresso da Venezuela no Mercosul pela porta dos fundos. A manobra se tornou possível com a suspensão do Paraguai como sócio do bloco, numa decisão claramente forçada pelas presidentes Cristina Kirchner e Dilma Rousseff.

Mesmo sem lembrar os piores detalhes políticos da aliança entre kirchnerismo e petismo, o jornal ABC Color, de Assunção, mostrou com muita clareza, em editorial, o duplo fracasso do Mercosul – como plataforma de inserção global e também como instrumento de integração regional. Comentando a recente reunião de cúpula do bloco, realizada na capital paraguaia, o jornal menciona o protecionismo das duas maiores economias da região, a demora nas negociações com a União Europeia, iniciadas nos anos 90, e a falta de acordos significativos.

Como em outros encontros, os participantes da conferência de Assunção limitaram-se a declarações de bons propósitos, como o de aproximação com a Aliança do Pacífico, formada por Chile, Peru, Colômbia e México. Os presidentes, segundo o comunicado final, “concordaram no interesse de convocar em breve uma reunião de alto nível entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico para abordar temas de interesse comum”. Essa declaração, como está assinalado no editorial, meramente repete, com pouca diferença de palavras, um dos compromissos anunciados em 17 de julho, no fim da cúpula de Brasília.

Se os sócios da Aliança do Pacífico forem capazes de cumprir seu plano de livre-comércio, terão sucesso, assinala o editorial. Mas o Mercosul, se continuar como agora, mais uma vez ficará fora de um bom empreendimento de integração econômica.

Como membros do Mercosul, uma união aduaneira, Paraguai e Uruguai, lembra o editorial, nem sequer podem buscar associações interessantes para suas economias sem a participação de todo o bloco.

Em outubro, na reunião do Fundo Monetário Internacional, um diretor da instituição elogiou o desempenho econômico do Paraguai e lamentou os problemas criados por seus vizinhos maiores e menos dinâmicos, o Brasil e a Argentina. Parte desses problemas, pode-se acrescentar, resulta do fracasso do Mercosul.

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