quarta-feira, janeiro 13, 2016

Impasse na Venezuela denuncia golpe político - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 13/01

Judiciário chavista anula medidas do Legislativo, que se recusou a acatar a impugnação de deputados da oposição. Governo afronta decisão das urnas


Uma semana após a posse da nova Assembleia Nacional da Venezuela, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) considerou seu presidente, Henry Ramos Allup, em desacato e anulou as medidas aprovadas ou em discussão pela Casa até agora, entre elas, a lei de anistia que poderá beneficiar cerca de cinco mil exilados e presos políticos do governo de Nicolás Maduro. O impasse está na decisão do presidente da Assembleia de dar posse a três deputados da oposição impugnados pelo TSJ sob a acusação de fraude. Para a oposição, a impugnação é irregular e a posse dos deputados, garantida pela Constituição.

Adotada por um tribunal aparelhado, de ampla maioria chavista, a impugnação tem implicações políticas graves, uma vez que cassa da coalizão de oposição Mesa de Unidade Democrática (MUD) o número de parlamentares necessários para uma maioria qualificada de dois terços (112 deputados). Ou seja, obrigaria o Executivo a fazer o jogo democrático e dialogar com o Parlamento. Mais do que um choque entre os poderes Legislativo e Judiciário, a decisão do TSJ significa um golpe contra a vontade popular expressa nas eleições.

É crescente o descontentamento da população diante de uma economia falida e um projeto político que se esfarela diante da realidade e, mesmo assim, tenta a qualquer custo se perpetuar no poder. Não têm sido poucas as medidas para inviabilizar na prática o resultado das urnas e minar o campo de ação do Legislativo. Entre elas, estão a criação de um parlamento comunal paralelo à Assembleia e a redução do poder dos deputados de aprovarem nomeações para órgãos e agências governamentais. Além disso, em dezembro, no fim do ano legislativo, a velha Assembleia Nacional aprovou a renovação do TSJ, substituindo 13 dos 32 magistrados por nomes comprometidos com a “revolução bolivariana”.

Apoiada na legitimidade das urnas, a oposição promete enfrentar o Judiciário. Ramos Allup, que foi insultado por militantes chavistas no domingo, quando fazia compras no supermercado, afirmou que “não dará um passo atrás”. Segundo ele, o Legislativo tem pressa e não pode ficar paralisado diante do TSJ.

Preocupa o rumo que vai tomando o impasse entre os poderes na Venezuela, sobretudo ao se considerar os antecedentes do governo Maduro, denunciado várias vezes por violações de direitos humanos. Também são motivos de apreensão os sinais de divergência entre membros da oposição. No passado recente, tais divisões custaram caro à democracia venezuelana.

O secretário-geral da OEA, Luis Almagro, divulgou nota ontem exortando que seja respeitado o equilíbrio institucional de poderes na Venezuela, sobretudo após a manifestação da população por meio do voto.

Espera-se que o Brasil, que recentemente deu sinais de que, enfim, está abandonando uma postura de conivência silenciosa, reforce o apelo da OEA.


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