terça-feira, novembro 03, 2015

O apocalipse começa aos 70 - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA

Lula comemorou seu aniversário de 70 anos numa festa para 30 pessoas. Essa foi sua escolha - não do que fazer na sua data, mas do que fazer de sua vida. O primeiro presidente brasileiro saído da pobreza poderia estar celebrando seus 70 anos num evento em que 30 fosse o número de garçons - com a opulência que os esganados do PT tanto prezam. Talvez 300 convidados do mundo inteiro, ou quem sabe 3 mil, numa festa popular no Ibirapuera. O triste anticlímax na biografia de um dos maiores mitos nacionais - o "filho do Brasil" - ganhou requintes de crueldade na última hora, com o avanço da Operação Zelotes: ao soprar a velinha com o neto, Lula poderia estar desejando ser eterno, mas a vida o obrigou a desejar não ser preso.

O partido de Luiz Inácio da Silva ainda governa o Brasil porque o Brasil é uma mãe. Ou, para os heróis coitados, uma teta. A batida da Polícia Federal no escritório da empresa de um dos filhos de Lula (ou de outro dos filhos de Lula) confirma, independentemente do que ficar provado, a revelação do quarto cavaleiro do Apocalipse petista - o esquema de fraudes envolvendo venda de favores na Receita Federal. Não perca a conta: o primeiro cavaleiro veio montado no mensalão; o segundo no petrolão; o terceiro veio pedalando seu cavalo sobre as contas fiscais; e o quarto cavaleiro vem comprovar que o endereço do Apocalipse é o Palácio do Planalto, já que os quatro mega escândalos têm suas nascentes na sede do governo do PT.

Aparentemente isso não basta para o Brasil entender que foi sequestrado por uma quadrilha e está há 13 anos pagando o resgate, sem ser libertado. A atual representante legal (cada um tem a legalidade que pode) do esquema é Dilma Rousseff, que parte desse Brasil maternal ainda quer acreditar ser apenas uma figura patética, uma estocadora de vento. Sem querer ofender a compaixão do gigante, cumpre assinalar que, além de vento, Dilma estoca Erenice. Que tal? A companheira número um da presidente, que chegou a ser preparada por ela para ser seu braço direito no governo, é também a investigada número um da Operação Zelotes, apontada como negociante de isenções tributárias e outros mimos do Fisco.

Na verdade, essa é Erenice 2, a missão. O filme que os brasileiros já tinham visto (e esquecido, claro) era a Erenice traficante de influência na Casa Civil, acusada de distribuir bons negócios a parentes e amigos dentro do principal ministério do governo. Ministério este onde era cria de Dilma, unha e carne com ela, inclusive nas famosas (e também esquecidas, claro) montagens de dossiês contra adversários políticos. Erenice caiu em desgraça sem tirar um fio de cabelo de Dilma do lugar. Mistérios desse Brasil brasileiro.

Também está na mira da Polícia Federal outro amigo de fé da imaculada presidenta, o governador de Minas Gerais e consultor-fantasma Fernando Pimentel. Estão sob investigação fartos indícios de venda de favores pelo camarada de Dilma à indústria automobilística, entre outras bondades revolucionárias. Pimentel também está na mira da Zelotes e teve de ser praticamente escondido pela amiga no Ministério do Desenvolvimento, quando vieram à tona suas consultorias milionárias e invisíveis a clientes industriais. Também está nessa frente de investigação da PF Gilberto Carvalho, outro ex-membro do ministério de Dilma com sala no Palácio do Planalto. Com a Receita Federal sendo esfolada por seus comandados, com a Petrobras sendo pilhada por seus prepostos, com o Tesouro sendo pedalado por seu governo, a presidenta mulher continua não sendo sequer investigada. Contando, ninguém acredita.

Os 70 anos de Lula são o retrato do Brasil. Uma festa pobre e melancólica onde poderia estar havendo um carnaval. Em sua ascensão política, o ex-presidente conheceu o caminho da mediocridade fisiológica (a busca de cargos como meio de vida), mas conheceu também a grandeza do espírito público - e em vários momentos se pautou por essa grandeza, passando por cima do parasitismo petista. Mas, no que ficou grande, Lula passou definitivamente a pensar pequeno - com medo de voltar a ser pequeno. Pôs o Brasil debaixo do braço - a bola é minha. Agora tem de jogar sozinho, e com muita malícia, para correr atrás da bola e fugir da polícia.


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